Sobre não conseguir focalizar nem seus próprios pensamentos
(Laís Moura)
Sinto falta da língua portuguesa, acabo de escrever.
Na minha frente uma moça lança olhares sobre meu caderno (ou sobre minha caneta espalhafatosa que achei no chão) e cruza e descruza as pernas, provavelmente muito impaciente por que a viagem é longa e estamos apenas no início. Ao seu lado existe um senhor que está na mesma posição desde que o vi, e começo a ter uma vontade louca de checar seus batimentos cardíacos.
Continuo: Já faz um tempo que carrego uma mochila nas costas cuja alça começa a se desfazer. Preciso providenciar urgentemente uma costura, antes que deixe cair o pouco que me define. De identidade digo apenas que sou um pouquinho de cada um que vem. Meu coração começou brasileiro, depois americano, depois mexicano e agora indiano. Quer dizer, agora brasileiro americano mexicano indiano. Nesta ordem.
Perdão, mas necessito parar por que a moça transmitiu a impaciência dela para mim. Tive que cruzar meus pés antes de voltar a escrever, perdendo assim o fio da meada do meu raciocínio. Ela me olha brevemente com os olhos castanhos e abaixa a cabeça, sacudindo o pescoço como se estivesse tocando na sua mente um rock'n'roll. Desvio o olhar para o velhinho ao lado: mesma posição. Estou praticamente 100% convicto de seu desfalecimento.
Continuo: Sinto na minha boca um gosto de asfalto e mato, uma combinação absurda que apenas o homem foi capaz de inventar tal coisa. Já se viu? Se já existe o chão, para quê vesti-lo de cinza? Não entendo minha própria espécie, o que deixa muito difícil entender a mim mesmo. Como se já não fosse difícil o bastante, ainda nasci com o ímpeto de viajar e não ficar mais de 1 ano na mesma cidade, o que só me traz mais dúvidas acerca do que realmente o ser humano quer.
Não saber o que quero é tão comum quanto sentir fome.
Percebo neste exato momento a mulher se encurvando para tentar ler o que escrevo - desculpa moça, não falo sua língua, mas adoraria traduzir isso se fosse capaz. Falo sobre minha viagem, está vendo? Já faz dois meses que divido o mesmo país que você e estou fazendo mais ou menos um diário de bordo, que de diário não tem nada, já que essa é no máximo a quarta vez que paro para escrever alguma coisa e mal consigo por diversos motivos. Primeiro, você que não para de se mexer e atrapalha meu campo de visão; Segundo, por que o trem balança demais e tenho que fazer muita força para não tremer; Terceiro por que estou impaciente com o que me espera do outro lado.
Escrever não me ajuda, e ainda assim o faço. Talvez com o português se dando forma nesse pedaço de papel faça de mim um ser humano e ponto, e não Carlos de Nascimento Filho com todas suas dúvidas.
... Acabo de sentir um cheiro de pipoca.
Sinto falta da língua portuguesa, acabo de escrever.
Na minha frente uma moça lança olhares sobre meu caderno (ou sobre minha caneta espalhafatosa que achei no chão) e cruza e descruza as pernas, provavelmente muito impaciente por que a viagem é longa e estamos apenas no início. Ao seu lado existe um senhor que está na mesma posição desde que o vi, e começo a ter uma vontade louca de checar seus batimentos cardíacos.
Continuo: Já faz um tempo que carrego uma mochila nas costas cuja alça começa a se desfazer. Preciso providenciar urgentemente uma costura, antes que deixe cair o pouco que me define. De identidade digo apenas que sou um pouquinho de cada um que vem. Meu coração começou brasileiro, depois americano, depois mexicano e agora indiano. Quer dizer, agora brasileiro americano mexicano indiano. Nesta ordem.
Perdão, mas necessito parar por que a moça transmitiu a impaciência dela para mim. Tive que cruzar meus pés antes de voltar a escrever, perdendo assim o fio da meada do meu raciocínio. Ela me olha brevemente com os olhos castanhos e abaixa a cabeça, sacudindo o pescoço como se estivesse tocando na sua mente um rock'n'roll. Desvio o olhar para o velhinho ao lado: mesma posição. Estou praticamente 100% convicto de seu desfalecimento.
Continuo: Sinto na minha boca um gosto de asfalto e mato, uma combinação absurda que apenas o homem foi capaz de inventar tal coisa. Já se viu? Se já existe o chão, para quê vesti-lo de cinza? Não entendo minha própria espécie, o que deixa muito difícil entender a mim mesmo. Como se já não fosse difícil o bastante, ainda nasci com o ímpeto de viajar e não ficar mais de 1 ano na mesma cidade, o que só me traz mais dúvidas acerca do que realmente o ser humano quer.
Não saber o que quero é tão comum quanto sentir fome.
Percebo neste exato momento a mulher se encurvando para tentar ler o que escrevo - desculpa moça, não falo sua língua, mas adoraria traduzir isso se fosse capaz. Falo sobre minha viagem, está vendo? Já faz dois meses que divido o mesmo país que você e estou fazendo mais ou menos um diário de bordo, que de diário não tem nada, já que essa é no máximo a quarta vez que paro para escrever alguma coisa e mal consigo por diversos motivos. Primeiro, você que não para de se mexer e atrapalha meu campo de visão; Segundo, por que o trem balança demais e tenho que fazer muita força para não tremer; Terceiro por que estou impaciente com o que me espera do outro lado.
Escrever não me ajuda, e ainda assim o faço. Talvez com o português se dando forma nesse pedaço de papel faça de mim um ser humano e ponto, e não Carlos de Nascimento Filho com todas suas dúvidas.
... Acabo de sentir um cheiro de pipoca.
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