Heroína

(Lais Moura)

Difícil dizer exatamente o que aconteceu até me encontrar aqui, no meio desses travesseiros. Pela quantidade de vezes que espirro posso jurar que eles não foram lavados por pelo menos 6 meses. Me esqueci não por ressaca: nunca botei uma gota de álcool na minha boca, o que você diz que é o meu verdadeiro problema.
Talvez eu tenha me esquecido por que minha alma cansou de sonhar.
- Olhe, Esmeralda. Você é criança demais. - E aí você traga um cigarro e joga na própria cama, e eu juro que você vai botar sua casa em fogo. - E pare de jogar meus cigarros no lixo! Um homem como eu precisa de fumaça.
Eu sei disso. E por isso os coloco na latrina.
- Fumaça? Bebe um café bem quente.
Você me gruda um beijo seco e se levanta, rindo e dizendo que sou criança mais uma vez. E eu acabo ficando aqui, espirrando e espirrando, me perguntando pela décima vez por que não vou embora.
Cansei de suas constelações. Cansei da sua fé no meu mundo das letras - No que isso me levou mesmo? Ah, sim. A criar um blog. Interessantíssimo. - Cansei de seus telefonemas sóbrios, falando de política e campo de trabalho como se essa sociedade não fosse hipócrita suficiente.
Mas eu fico. Eu abraço seu pescoço e me perco nos seus cabelos grisalhos. Faz anos eu costumava contá-los um a um, hoje tal fardo é incabível.
Mas por que não vou embora, mesmo?
Sei de uma coisa: Hoje, só hoje, vou ficar espirrando.
Amanhã, meu bem, eu penso no que fazer.

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