Mancha no reflexo


(Laís Moura)

Olhou-se no espelho. Havia uma mancha cinza escura no canto superior direito deste que a incomodava como uma pedrinha no sapato. Passou saliva nos dedos e esfregou-a com força na vã tentativa de retirar o cinza da perfeição do seu reflexo.
Parou por um instante e fitou como alguém de fora sua imagem. Sua pele branca trazia consigo um cheiro suave de perfume francês, e o vestido de flores que morria ao tocar o chão se encaixava perfeitamente na sua cintura. Do lado de fora do ambiente estava um homem que amava olhar em seus olhos e por vezes a chamava de sua, o que para este mundo já é o suficiente.
Ela, no entanto, não estava satisfeita.
Seu coração tão frágil suportava ao longo dos anos uma vida de inúmeros adeus e uma dificuldade absurda de manter amizades. Atrás de seus lábios finos seus dentes já bateram de frio, fome, doença e depressão, uma mancha horrorosa no espelho.
Sobressaltou-se. Virando de costas e andando com passos firmes até ficar de cara com a parede ela queria esconder-se de si mesma. Posso dissolver-me por instantes?, pensou. Correu os olhos de ponta a ponta, o que estava procurando tanto? De que lhe servira essa correria de ser mulher? E se tivesse ficado para sempre na mesma maldita cidade, com seu povo tão amado? Como é que se diz...
Virou a cabeça gentilmente até vislumbrar seu corpo de costas. Andou de volta a posição que se encontrava lentamente, como se a cada passo sugasse de si uma insegurança idiota que estampava aquele cinza. Arranhou a palma da mão esquerda quando chegou o mais perto possível de sua própria imagem, e mergulhou dentro de seus próprios olhos. A mancha tinha ficado no canto da testa.
A solução se encontra dentro do meu próprio ser, refletiu.
A porta se abriu silenciosamente e o homem estava parado, metade homem metade bobo.
- Você está magnífica.
Sorriu. Andou em sua direção e a mancha palpitou, como se fizesse parte do coração. Ela levou a mão ao peito e andou firme até ultrapassar a porta, deixando para trás o cinza.
Nunca mais, desde então, voltara a se olhar no espelho.

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