Indo para a casa

(Lais Moura)

Ela olhava o fundo do poço como se a negritude refletisse suas próprias idéias. Ela agarrou os dedos magros em volta do balde e o prendeu contra a corda com a coluna encurvada como num S. Era noite, mas estranhamente a lua banhava seu corpo numa luz everdeada; talvez o sol roubasse a cor das folhas, não o contrário...
- Diz, mulher. - Gritou um homem que se aproximava aos poucos num cavalo mais magro que os dedos dela. - Estás perdida?
Ela riu, um fiapo de voz que mais parecia desespero que qualquer coisa.
- Perdidos ficam os que tem um destino para seguir. Quanto a mim, a morte levou meu destino e esqueceu de me levar com ela. - Disse passando a mão pelos cabelos brancos, como se enfatizasse o que realmente queria dizer.
Quando ele pronunciou as seguintes palavras já tinha chegado perto o suficiente do poço e saltado do cavalo:
- Então que desenhe! Tem sentimentos? Se tem, sabes perfeitamente como desenhar.
Ela olhou nos olhos do homem. "Que ousado, pensou. Homens assim tem vários por aqui"
- Ignoro o que diz. - Disse ela, levando o balde mais e mais fundo do poço. Parecia uma eternidade!
- Mulheres...
- Além disso, - Disse por ter uma idéia melhor - Você não parece ter um destino mais inspirador do que o meu.
Desta vez ele olhou nos olhos dela, como se pudesse tirá-la da posição de cegueira.
- Mulher, - Sussurrou - O que destino e inspiração tem em semelhança? Nada, apenas que ambos morrem com a falta de fé.
" Ele compara as palavras com religião, e eu comparando com escuridão... "
E então sentiu seu balde encher de água.

Comentários

Postagens mais visitadas