O início de um pedido de casamento

(Laís Moura)

Ela estava encolhida numa daquelas cadeiras ridiculamente altas de bar. Fora o casaco que ultrapassava o desenho de seu pulso, ela até que sabia se vestir bem. Se cabelo escorrido morria no queixo, e sua sobrancelha esquerda dava a sensação perpétua de desconfiança.
(Não nasci para que as pessoas passem despercebidas por mim, e você já deve ter tomado nota).
A seguir com a descrição, ela eventualmente cruzava e descruzava as pernas. Balançava o a taça de vinho branco como se assim conseguisse balançar a vida que levava - o açúcar poderia estar no fundo. Poderia, se é que já não tinha evaporado.
Agora eu me aproximo. Deveria estar em rumo de casa, mas hoje é só um daqueles eventuais dias que o preço da gasolina é inferior ao prazer de rodar sem rumo, e a voz do GPS é só mais um entre quinhentos mil ruídos que você ouve em apenas um santíssimo dia. A música de trilha sonora daquele momento que poderia determinar o resto de minha vida ou não (nunca se sabe o quanto uma pessoa que você acaba de conhecer pode afetar a sua história) é, se não calma demais, brega demais.
Sento numa cadeira tão ridiculamente alta quanto, e suspiro como uma pessoa comum faz depois de sentar-se em qualquer lugar a qualquer hora do dia. Ela, ao contrário das mulheres que costumam freqüentar aquele tipo de ambiente, mostra mais que o conveniente que não se sente confortável com alguém tão próximo (o que é ridículo, pois num bar depois de certa hora sai todo mundo se abraçando e confessando as trilhas de suas vidas errantes como se conhecessem uns aos outros há décadas).
Entretanto, mesmo com tamanha distância que ela pretende impor com sua energia, ela me olha rapidamente e dando seu melhor sorriso de sou-uma-garota-que-não-está-desesperada diz:
- Parece que alguém teve um mal dia, ahn?
Demorei um poucos segundos para entender sobre quem ela estava falando: eu ou ela.
- Nem fala. Nada que um lugar como esses não resolva.
- E resolve?
- Claro que resolve. - Respondi.
- Você tem certeza?
Ela sorri como se estivesse ganhando alguma coisa. Agora sim ela sorri como alguém que não está desesperado, o que é irônico.
- Não querida, não tenho.
- Então você está a me dizer que, se este lugar não resolve (apesar de sua insistência inicial de que sim),   você não tem propósito algum na sua vida e por isso insiste no que não sabe. Estou errada?
Semicerro os olhos. Ela faz o mesmo.
- Aonde você pretende chegar com tudo isso?
Ela fica em silêncio, e sinto meu corpo ficar febril.
- Me responda! - Esmurro a mesa, forte o suficiente para fazê-la recuar.
- Eu s-só queria t-ter certeza.
- Certeza de quê?!
- De que você é exatamente como eu. Economiza dinheiro da gasolina só para ter o prazer de gastar tudo no final do mês fugindo para algum lugar, só por que te dizem que quebrar rotina é saudável (e você acredita em todos eles). Sai observando a manga dos casacos das pessoas para ver se o nervosismo em excesso as faz mais sujas só para ter certeza de que as suas estão limpas o suficiente. Observa o jeito que as pessoas piscam os olhos, movimentam a cabeça ou arrepiam-se ao simples toque de algo gelado (ou desconhecido, ou os dois). E assim, observando tudo, você pensa que sabe muito mais do que qualquer um, que vê muito mais do que qualquer um! Porém, quando deita a cabeça no travesseiro é sobressaltado pela sensação de saber mais sobre os outros do que a si mesmo. E, no dia seguinte, alguém vê o quanto você aparenta estar mal psicologicamente e lhe dá um dia de folga, ou um conselho como: fugir da rotina. E começa tudo de novo.
- Como pode estar tão certa sobre mim?
- Por que eu vi como você tentava absorver os outros como se isso fosse te deixar mais completo, como se assim pudesse achar seu açúcar no fundo do copo. Então pensei: Por que não acharmos juntos o maldito açúcar? Talvez esteja numa dispensa de uma casa bem velhinha que não achamos ainda por um simples fato.
- Que fato?
Ela sorri e toma o último gole antes de dizer:
- O fato de não termos procurado juntos.


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