Rede em teia (continuação)
(Laís Moura)
Quando me conectei na madrugada seguinte havia uma mensagem:
SetepontoA.
"A" era como chamávamos de a nossa primeira reunião com nossos financiadores. Não sabíamos quando ia ser, mas sabíamos que iria ter algum dia no gabinete do secretário chefe de Barack Obama.
Na casa branca.
E, segundo os códigos, ia ser às sete horas da noite daquele dia. Eu estava ferrada.
M.M ficou online.
- Merda! Como eles acham que vou conseguir uma passagem internacional hoje?
- Já conseguiram, F.F. O irmão do Chefão é dono de uma companhia aérea. Você não vai precisar nem de visto para entrar. Todos lá dentro já tem uma foto sua.
- E como você sabe de tudo isso?
- Pediram para eu vir te avisar. Acabei de chegar aqui na sua cidade para acompanhar você para não dar nenhuma merda.
- E por que daria alguma merda?
- Bom. - Ele começou. - Por que todo mundo já sabe que você é uma mulher.
Sabia. Sabia que isso ia acontecer.
- Hum, pai? - Eu disse.
- Que mala é essa?
- Tenho que fazer uma viagem de emergência. Minha parceira ficou doente.
(Dentro da minha vida falsa, eu tinha um trabalho falso de aeromoça.)
- E a faculdade, Lílian? Vai faltar de novo?
- A faculdade pode esperar. Meu emprego não.
- Já disse que você não precisa do dinheiro deles, Lílian. - Disse ele, tropeçando em meios aos cacos de vidro da garrafa que ele certamente tinha deixado cair.
- Ah, tá bom. Então você quer que eu roube né, para pagar minha faculdade? Vou nessa.
E fui.
Antes mesmo que eu pegasse um táxi, um Honda me esperava. O vidro do carona desceu e um homem estendeu o braço para fora da janela, mostrando uma vírgula tatuada. Mostrei a minha, e acenando em afirmativo, indicou para que eu entrasse no carro.
Olhei para os lados e entrei.
- Oi, F.F.
Havia mais alguém no banco de trás, alguém que eu não tinha visto. Era também um homem, de paletó e gravata, meio magricela e forte ao mesmo tempo.
- Sou eu. - E me mostrou a tatuagem. - W.W.
- Putz, F.F. É muito estranho você ser mulher. Por que não falou antes? Tá parecendo que você é um transsexual. - Disse M.M.
- Para quê que eu ia falar? Ia ser exigida em dobro, sem dúvida.
- Quando chegar lá, você vai embarcar com o M meia hora antes. Vocês estarão juntos. Embarcarei em outro vôo, meia hora depois. - Disse W.W.
M.M. se virou para trás e me olhou, de cima baixo. Ele era o cara mais bonito que eu tinha visto em toda minha vida.
- Não estamos parecendo um casal. Eu aqui de calça jeans e tênis e você toda social.
- Claro, você queria que eu fosse de chinelo para a casa branca?
- Sabia que ela ia causar problemas. - Disse W.W., pegando algo debaixo do banco do motorista. Um saco com roupas. - Toma isso. Vista-se.
Abri a sacola - uma calça jeans, um tênis e uma camisa dos yankees. Comecei pela blusa, e percebi agradecida que W.W. virou a cabeça distraidamente para o outro lado.
- WOW. Você tem uma bela comissão. - Disse M.M.
- Vá para o inferno. - Falei. - E vire a cara.
Eu sabia que se quisesse sobreviver teria que ser crua e sem vergonha.
Exatamente o que eu NÃO era.
Quando terminei de me vestir, afundei em minha cadeira e tentei não pensar na missão. Foi simples: pensei na minha época tranquila, quando eu descia e brincava com meu melhor amigo e vizinho. Eu sempre pensava nele quando eu não estava concentrada em alguma coisa ou quando tentava me distrair. Lembrar do seu sorriso amarelo e do seu cabelo de tigela me reconfortava - não vi ele depois de nove anos sendo meu melhor amigo. Comecei dos zero até os nove anos de idade. E então ele partiu, sem deixar recado e sem por quê. Com nove anos mesmo entrei em depressão.
Era doce pensar nele, e em tudo que eu faria se o encontrasse novamente.
W.W. se remexia no banco, inquieto. Custava olhar para mim.
- Cara, qual é o seu problema? Tá com formiga na bunda? - Perguntou M.M.
Olhei para ele. Me parecia um pouquinho familiar.
- Você não disse que ia só nós dois? W.W. veio também por quê?
- Ele é uma bússola humana. - Disse M.M. - E de qualquer forma ele teria que pegar avião daqui do Brasil.
- Ah, você é brasileiro! Não sabia não. - Falei.
- É, sou.
- E ele morava nessa cidade também. Não é, W.W.? Quando ele era criança.
W.W. empalideceu visivelmente. Disse:
- Acho que chegamos.
Parte dois
Quando me conectei na madrugada seguinte havia uma mensagem:
SetepontoA.
"A" era como chamávamos de a nossa primeira reunião com nossos financiadores. Não sabíamos quando ia ser, mas sabíamos que iria ter algum dia no gabinete do secretário chefe de Barack Obama.
Na casa branca.
E, segundo os códigos, ia ser às sete horas da noite daquele dia. Eu estava ferrada.
M.M ficou online.
- Merda! Como eles acham que vou conseguir uma passagem internacional hoje?
- Já conseguiram, F.F. O irmão do Chefão é dono de uma companhia aérea. Você não vai precisar nem de visto para entrar. Todos lá dentro já tem uma foto sua.
- E como você sabe de tudo isso?
- Pediram para eu vir te avisar. Acabei de chegar aqui na sua cidade para acompanhar você para não dar nenhuma merda.
- E por que daria alguma merda?
- Bom. - Ele começou. - Por que todo mundo já sabe que você é uma mulher.
Sabia. Sabia que isso ia acontecer.
- Hum, pai? - Eu disse.
- Que mala é essa?
- Tenho que fazer uma viagem de emergência. Minha parceira ficou doente.
(Dentro da minha vida falsa, eu tinha um trabalho falso de aeromoça.)
- E a faculdade, Lílian? Vai faltar de novo?
- A faculdade pode esperar. Meu emprego não.
- Já disse que você não precisa do dinheiro deles, Lílian. - Disse ele, tropeçando em meios aos cacos de vidro da garrafa que ele certamente tinha deixado cair.
- Ah, tá bom. Então você quer que eu roube né, para pagar minha faculdade? Vou nessa.
E fui.
Antes mesmo que eu pegasse um táxi, um Honda me esperava. O vidro do carona desceu e um homem estendeu o braço para fora da janela, mostrando uma vírgula tatuada. Mostrei a minha, e acenando em afirmativo, indicou para que eu entrasse no carro.
Olhei para os lados e entrei.
- Oi, F.F.
Havia mais alguém no banco de trás, alguém que eu não tinha visto. Era também um homem, de paletó e gravata, meio magricela e forte ao mesmo tempo.
- Sou eu. - E me mostrou a tatuagem. - W.W.
- Putz, F.F. É muito estranho você ser mulher. Por que não falou antes? Tá parecendo que você é um transsexual. - Disse M.M.
- Para quê que eu ia falar? Ia ser exigida em dobro, sem dúvida.
- Quando chegar lá, você vai embarcar com o M meia hora antes. Vocês estarão juntos. Embarcarei em outro vôo, meia hora depois. - Disse W.W.
M.M. se virou para trás e me olhou, de cima baixo. Ele era o cara mais bonito que eu tinha visto em toda minha vida.
- Não estamos parecendo um casal. Eu aqui de calça jeans e tênis e você toda social.
- Claro, você queria que eu fosse de chinelo para a casa branca?
- Sabia que ela ia causar problemas. - Disse W.W., pegando algo debaixo do banco do motorista. Um saco com roupas. - Toma isso. Vista-se.
Abri a sacola - uma calça jeans, um tênis e uma camisa dos yankees. Comecei pela blusa, e percebi agradecida que W.W. virou a cabeça distraidamente para o outro lado.
- WOW. Você tem uma bela comissão. - Disse M.M.
- Vá para o inferno. - Falei. - E vire a cara.
Eu sabia que se quisesse sobreviver teria que ser crua e sem vergonha.
Exatamente o que eu NÃO era.
Quando terminei de me vestir, afundei em minha cadeira e tentei não pensar na missão. Foi simples: pensei na minha época tranquila, quando eu descia e brincava com meu melhor amigo e vizinho. Eu sempre pensava nele quando eu não estava concentrada em alguma coisa ou quando tentava me distrair. Lembrar do seu sorriso amarelo e do seu cabelo de tigela me reconfortava - não vi ele depois de nove anos sendo meu melhor amigo. Comecei dos zero até os nove anos de idade. E então ele partiu, sem deixar recado e sem por quê. Com nove anos mesmo entrei em depressão.
Era doce pensar nele, e em tudo que eu faria se o encontrasse novamente.
W.W. se remexia no banco, inquieto. Custava olhar para mim.
- Cara, qual é o seu problema? Tá com formiga na bunda? - Perguntou M.M.
Olhei para ele. Me parecia um pouquinho familiar.
- Você não disse que ia só nós dois? W.W. veio também por quê?
- Ele é uma bússola humana. - Disse M.M. - E de qualquer forma ele teria que pegar avião daqui do Brasil.
- Ah, você é brasileiro! Não sabia não. - Falei.
- É, sou.
- E ele morava nessa cidade também. Não é, W.W.? Quando ele era criança.
W.W. empalideceu visivelmente. Disse:
- Acho que chegamos.
Parte dois
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