Sinopse&Sinapse
(Laís Moura)
Não nasci para ser estrela, definitivamente. Deus aponta o dedo para uns e fala:
- Filho, você vai brilhar enquanto teu coração bater.
Alguns isso nem acontece, mas se esforçam tanto que Deus vai lá e dá um empurrãozinho. Tem até outros que tem tudo na mão e por mera preguiça vivem uma desordem e se acomodam com as pessoas que vão entrando e saindo, sentados para esquentar banco.
Eu... Bom, poderia fazer parte de alguns deles.
Mas não faço.
Eis o motivo: morei numa casa (que estava mais para casebre do que tudo) com músicos, responsáveis pela minha morte espiritual. Juntos, formávamos uma banda, uma banda bonitinha por assim dizer.
From the top.
Eu, uma pessoa entre aquilo de menina&mulher (clichê para caramba) estava andando para mais uma aula da prisão do ensino médio (sem nada de excepcional para contar) quando meu celular vibra e um número desconhecido gira na telinha. Atendo.
- Alô?
- Alô, Esther? Esther Noronha?
- Eu.
- Oi, aqui quem fala é o diretor do colégio bláblá - (ética, só por ética) - e gostaria de lhe convidar para o evento que estamos promovendo de exibição de novos talentos. Como fui informado, você é a presidente do grêmio do colégio que estuda, por isso penso que sua participação aqui seria importante e, se achasse viável, abrangê-la para bandas montadas por alunos que aí te cercam e que se interessariam em expor seus respectivos trabalhos.
P.s.: resumi em algumas linhas o que ele falou durante três horas.
- Claro, irei promover o evento sim. Obrigada pelo convite.
- Disponha!
E desligamos.
Meu colégio, como já era de se esperar, era cercado de alunos que só estavam afim de dar o presente no número de aulas suficiente para não serem reprovados, e assim, fui tão somente eu para esse tal evento. Para minha total descrença, vi bandas formadas por adolescentes espinhentos capazes de conquistar o país inteiro com seus talentos, e junto com o fascínio, veio minha cara de pau.
- Gente, - Disse para a banda que mais tinha gostado, uma das primeiras bandas (e de rock). - VOCÊS SÃO INCRÍVEIS!
Dali para a amizade foi um estalar de dedos. Não foram muito investidos e não conseguiram gravar um CD, mas continuavam com a banda, tocando aonde era possível. A banda era formada por 5 integrantes: Uma vocalista, um guitarrista solo, um baixista, um baterista e um que ficava entre o teclado e instrumentos de percussão. Nos afastamos um ano depois pela relação ter esfriado, e topei num barzinho barato 5 anos depois. Eu, meio bêbada e terminando a faculdade de letras, fui tropeçando falar com os cinco, que para minha estupefação continuavam juntos.
Minha vida estava ainda mais desanimada que quando os conheci: morava sozinha num sobrado com um gato estressado e vivia por aí, procurando alguma coisa para fazer. Eles, se não na mesma situação, pela cara estavam bem perto do mesmo vazio parasita.
- Nana, - Disse o baixista, que era o mais próximo de mim naquela época. - Leio suas colunas no jornal. Você é ótima escritora. Tá fazendo o quê mais da vida?
- Dormindo e dando comida pro meu gato.
- Morando sozinha? - Perguntou a vocalista.
- Isso.
- Vem morar com a gente. Tem espaço sobrando. - Ela esvaziou o copo de cerveja num gole só e encheu de volta, erguendo-o no ar. - Tenho uma proposta.
- Qual? - Perguntei.
- Escreve para a gente. Vamos colocar uma cara só nossa. - Bebeu de novo e, jogando o cabelo negro e repicado para trás, acendeu um cigarro. - Vamos ressuscitar o rock nacional.
Aceitei.
Aceitei e me arrependi amargamente.
O sucesso subiu, mas apenas dentro do nosso próprio estado, e tentei viver em paz naquela casa. Começou com coisas pequenas, como cuecas espalhadas pela casa e cheiro de sêmen nos banheiros. Depois o treino até lá pras tantas, o bloqueio quando eu ia escrever pelo crescente cheiro de maconha, e os surtos de violência dos meninos por abuso de crack. Segurei ao máximo a situação, sabendo que se largasse de primeira ia me chamar de covarde até a morte...
Fiquei nessa durante dois anos. Já tinha concluído um ano anterior a faculdade, fazia questão de fazer hora extra para não enfrentar o inferno que era aquela casa com vidro de cerveja espalhado pelo chão junto com pedaços de pizza. Ganhava muito bem e guardava a maior parte do dinheiro, na intuição de que iria precisar daquele dinheiro tempos depois. Fui assediada por metade da banda e xingada até a morte quando estavam fora de si, e tomei coragem de deixá-los quando um colega de trabalho virou para mim num almoço e disse:
- Você é linda, Esther. E eu só não amo você por que você ama mais aqueles fracassados que a si mesma.
Aquilo doeu muito mais do que no dia em que o baixista me deu uma garrafada na cabeça. Mas depois percebi que se ele não me amasse jamais me falaria aquilo, e emocionada por alguém resumir em uma frase o que eu senti durante todos aqueles dois anos fiz o que deveria ter feito muito antes: as malas.
Quando cheguei em casa só estavam a vocalista e a baixista, nus e bêbados no meio da sala. Não pensei para onde iria até colocar a última caixa no carro.
- Merda. Para onde eu vou?
Ali caiu uma chuva, aquelas precipitações que são capazes de perfurar sua cabeça de tão forte. Me joguei para dentro de carro e liguei para esse colega de trabalho que, eu bem sabia, morava com o primo.
- Olá, Esther. Como você tá?
Fiquei em silêncio, sem conseguir falar.
- Esther? Tá aí?
Comecei a chorar. Primeiro de leve, doce, depois violentamente. Era setembro, e a primeira vez que eu chorava no ano. Ele, paciente, esperou do outro lado da linha.
- Eu posso dormir aí duas noites? É só até arranjar apartamento.
- O quê... Do que você tá falando?
- Eu não tenho para aonde ir.
- Ah. Não, pode vir.
Quatro anos depois me casei com ele. Cá estou eu, um mês depois, justificando pela primeira vez em palavras o que fiz a mim mesma. Nunca mais ouvi rock, nunca mais confiei nas pessoas de primeira e nunca mais fumei um cigarro. Final feliz? Talvez... Quem sabe?! Sei de uma coisa: Nunca mais tentarei os palcos. Tem holofotes demais para mim.
Holofotes demais!
Não nasci para ser estrela, definitivamente. Deus aponta o dedo para uns e fala:
- Filho, você vai brilhar enquanto teu coração bater.
Alguns isso nem acontece, mas se esforçam tanto que Deus vai lá e dá um empurrãozinho. Tem até outros que tem tudo na mão e por mera preguiça vivem uma desordem e se acomodam com as pessoas que vão entrando e saindo, sentados para esquentar banco.
Eu... Bom, poderia fazer parte de alguns deles.
Mas não faço.
Eis o motivo: morei numa casa (que estava mais para casebre do que tudo) com músicos, responsáveis pela minha morte espiritual. Juntos, formávamos uma banda, uma banda bonitinha por assim dizer.
From the top.
Eu, uma pessoa entre aquilo de menina&mulher (clichê para caramba) estava andando para mais uma aula da prisão do ensino médio (sem nada de excepcional para contar) quando meu celular vibra e um número desconhecido gira na telinha. Atendo.
- Alô?
- Alô, Esther? Esther Noronha?
- Eu.
- Oi, aqui quem fala é o diretor do colégio bláblá - (ética, só por ética) - e gostaria de lhe convidar para o evento que estamos promovendo de exibição de novos talentos. Como fui informado, você é a presidente do grêmio do colégio que estuda, por isso penso que sua participação aqui seria importante e, se achasse viável, abrangê-la para bandas montadas por alunos que aí te cercam e que se interessariam em expor seus respectivos trabalhos.
P.s.: resumi em algumas linhas o que ele falou durante três horas.
- Claro, irei promover o evento sim. Obrigada pelo convite.
- Disponha!
E desligamos.
Meu colégio, como já era de se esperar, era cercado de alunos que só estavam afim de dar o presente no número de aulas suficiente para não serem reprovados, e assim, fui tão somente eu para esse tal evento. Para minha total descrença, vi bandas formadas por adolescentes espinhentos capazes de conquistar o país inteiro com seus talentos, e junto com o fascínio, veio minha cara de pau.
- Gente, - Disse para a banda que mais tinha gostado, uma das primeiras bandas (e de rock). - VOCÊS SÃO INCRÍVEIS!
Dali para a amizade foi um estalar de dedos. Não foram muito investidos e não conseguiram gravar um CD, mas continuavam com a banda, tocando aonde era possível. A banda era formada por 5 integrantes: Uma vocalista, um guitarrista solo, um baixista, um baterista e um que ficava entre o teclado e instrumentos de percussão. Nos afastamos um ano depois pela relação ter esfriado, e topei num barzinho barato 5 anos depois. Eu, meio bêbada e terminando a faculdade de letras, fui tropeçando falar com os cinco, que para minha estupefação continuavam juntos.
Minha vida estava ainda mais desanimada que quando os conheci: morava sozinha num sobrado com um gato estressado e vivia por aí, procurando alguma coisa para fazer. Eles, se não na mesma situação, pela cara estavam bem perto do mesmo vazio parasita.
- Nana, - Disse o baixista, que era o mais próximo de mim naquela época. - Leio suas colunas no jornal. Você é ótima escritora. Tá fazendo o quê mais da vida?
- Dormindo e dando comida pro meu gato.
- Morando sozinha? - Perguntou a vocalista.
- Isso.
- Vem morar com a gente. Tem espaço sobrando. - Ela esvaziou o copo de cerveja num gole só e encheu de volta, erguendo-o no ar. - Tenho uma proposta.
- Qual? - Perguntei.
- Escreve para a gente. Vamos colocar uma cara só nossa. - Bebeu de novo e, jogando o cabelo negro e repicado para trás, acendeu um cigarro. - Vamos ressuscitar o rock nacional.
Aceitei.
Aceitei e me arrependi amargamente.
O sucesso subiu, mas apenas dentro do nosso próprio estado, e tentei viver em paz naquela casa. Começou com coisas pequenas, como cuecas espalhadas pela casa e cheiro de sêmen nos banheiros. Depois o treino até lá pras tantas, o bloqueio quando eu ia escrever pelo crescente cheiro de maconha, e os surtos de violência dos meninos por abuso de crack. Segurei ao máximo a situação, sabendo que se largasse de primeira ia me chamar de covarde até a morte...
Fiquei nessa durante dois anos. Já tinha concluído um ano anterior a faculdade, fazia questão de fazer hora extra para não enfrentar o inferno que era aquela casa com vidro de cerveja espalhado pelo chão junto com pedaços de pizza. Ganhava muito bem e guardava a maior parte do dinheiro, na intuição de que iria precisar daquele dinheiro tempos depois. Fui assediada por metade da banda e xingada até a morte quando estavam fora de si, e tomei coragem de deixá-los quando um colega de trabalho virou para mim num almoço e disse:
- Você é linda, Esther. E eu só não amo você por que você ama mais aqueles fracassados que a si mesma.
Aquilo doeu muito mais do que no dia em que o baixista me deu uma garrafada na cabeça. Mas depois percebi que se ele não me amasse jamais me falaria aquilo, e emocionada por alguém resumir em uma frase o que eu senti durante todos aqueles dois anos fiz o que deveria ter feito muito antes: as malas.
Quando cheguei em casa só estavam a vocalista e a baixista, nus e bêbados no meio da sala. Não pensei para onde iria até colocar a última caixa no carro.
- Merda. Para onde eu vou?
Ali caiu uma chuva, aquelas precipitações que são capazes de perfurar sua cabeça de tão forte. Me joguei para dentro de carro e liguei para esse colega de trabalho que, eu bem sabia, morava com o primo.
- Olá, Esther. Como você tá?
Fiquei em silêncio, sem conseguir falar.
- Esther? Tá aí?
Comecei a chorar. Primeiro de leve, doce, depois violentamente. Era setembro, e a primeira vez que eu chorava no ano. Ele, paciente, esperou do outro lado da linha.
- Eu posso dormir aí duas noites? É só até arranjar apartamento.
- O quê... Do que você tá falando?
- Eu não tenho para aonde ir.
- Ah. Não, pode vir.
Quatro anos depois me casei com ele. Cá estou eu, um mês depois, justificando pela primeira vez em palavras o que fiz a mim mesma. Nunca mais ouvi rock, nunca mais confiei nas pessoas de primeira e nunca mais fumei um cigarro. Final feliz? Talvez... Quem sabe?! Sei de uma coisa: Nunca mais tentarei os palcos. Tem holofotes demais para mim.
Holofotes demais!
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