Sina

(Laís Moura)

Um dia desses topei com ela na rua. Usava um desses troços  (como é, rabo de cavalo?) que ia até o meio das costas. Tinha tacado tinta nas pontas, uma coisa meio verde desbotado. Seria ridículo se não fosse tão a cara dela. Ela se virou e olhou na minha direção - não para mim, mas como se enxergasse através. Olhei para trás e vi um cara marrento, esses que gostam de andar por aí, colocando as mãos no bolso e caminhando com a coluna curvada como se fosse capaz de convencer alguém. Nem ela, a garota mais fútil e pseudointelectual que já conheci em toda minha vida, parecia se preocupar com a presença inútil daquele verme.
 - Volta, Adriana. Não faz assim.
 Ela fuzilou ele com o olhar e virou a cabeça, jogando aquelas minhocas verdes com pose dramática. Ele atingiu sua diagonal - que era ao meu lado - e correndo chegou até ela, puxando-a pelo braço.
 - Qual é o seu problema? Já te pedi desculpas, porra.
 - Me solta.
 - Mas e...
 - Já falei para me soltar, canalha!
 - Ô, cara, não tá ouvindo não?
 Eu, com minha boca grande, fui como sempre falar coisa errada na hora errada. Fui ignorado.
 - Tudo isso por quê peguei ela, Adriana? Olhe para mim! - E segurou-a com força, obrigando ela a olhar em seus olhos perversos - Ela era gorda, caramba. Nem gostei do beijo! Pare de fazer drama.
 - Não é só isso, você sabe que não! E solte meu braço, tá me machucando.
 - Você não pode ir embora!
 - Me solte!
 - Velho, Você não tá ouvindo a garota não?
 Ela era linda. Seus olhos brilhavam, sua pele reluzia e sua postura era sempre convidativa. De vez em quando eu andava um pouco mais só para atravessar a rua do prédio dela, e algumas vezes a ver pentear o cabelo molhado na varanda. Se Deus não me fizesse ser tão seco eu a teria pedido em casamento numa daquelas vezes.
 - Ela não pode te ver, idiota. Você está morto. - Sussurrou.
 - O que disse? - Perguntou ela.
 - Nada, Adriana. Disse que te amo.
 Ela permitiu que seus olhos ficassem foscos e começou a chorar, se pendurando no pescoço daquele rapaz magricela. A dor, mais do que a realidade de ter deixado a vida escorregar pelos meus dedos, foi a responsável pelo meu retorno. E então, em questão de segundos, eu estava na maldita estação de trem quente que cheirava a urina e me juntei a milhares de outras pessoas que, sentadas, esperavam um trem que nunca ia chegar. Tinha, enfim, voltado ao inferno.

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