Assim como todo mundo

(Laís Moura)

Na infância ela tinha asas, mas com essas coisas da vida que deixam cicatrizes ela as perdeu assim como todo mundo. E não pense você que ela sentia falta de voar! Voar cansava as penas. Tentou trabalhá-las o máximo que pode, provar pro mundo que a gravidade pode detestar coisas que voam mas que você pode ser mais forte que ela, mas não deu certo. No final, tudo vira muito brincadeirinha. A vontade que às vezes dava nela era de matar todo mundo e chegar na delegacia falando:
- Era brincadeirinha.
Desistiu de tentar mostrar pros outros o que eles não queriam ver. Afundou na cadeira, ligou a televisão e se enfurnou no buraco. Começava a entrar na adolescência. Certa feita lá estava ela andando na rua, cabeça baixa por causa da chuva que lhe caía bem nos olhos, quando lhe passa um homem de paletó enorme, mas não enorme de gordura: guardava milhões de pedaços de papéis por debaixo que, ela logo viu, eram notas de dinheiro. Ela tremeu de frio e cerrou os dentes, se afastando daquele homem que abria caminho dentro da multidão. Depois, curiosa, resolveu chegar mais perto para ter certeza que de que era mesmo dinheiro que ele transportava com tanto cuidado debaixo do paletó. Ele lhe sorriu e perguntou:
 - Oi, moça, tem moedinha para eu construir minhas coisas?
 Ela olhou-o de cima a baixo, surpresa pela audácia do pedido. Ergueu a cabeça para o alto, buscando sentindo, e depois baixou os olhos para aquele homem. Indignada por ser rico e ainda pedir esmola, quase que lhe pedia uma explicação bem feita - eu disse quase - mas se viu sozinha e sem força. Virou as costas, deu a moeda, e o homem partiu feliz da vida.
 Ela era assim, como todo mundo.

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