Amargura

(Laís Moura)

Acordei meio tristinha. O vento afagava minha nuca e corria, farejando meu corpo e se fazendo de difícil. Antes mesmo que eu reclamasse ele voltava, murmurando que era para eu ter paciência. Me enrolei na colcha empoeirada e pisquei os olhos, fraca, doente, mórbita. Parecia mais um cadáver. Eu bem tinha meus motivos - Era agosto. Mês que você cansou de olhar nos meus olhos.
Levantei sem esfregar a vista e enfiei meus pés em pantufas velhas. Na quina da cama estava um espelho, provavelmente mais velho do que eu própria. Refletia o nada. Me refletia.
O vento cansou de fazer joguinhos e se manteve constante, como quem se rende numa guerra. Sentei numa penteadeira que centralizava um espelho, assim como o mapa múndi centraliza a Europa. Mesquinhos.
 - O que há? - Perguntei para ele. - Não me olhe com essa cara feia!
 Me enrolei em mim mesma. Entrei no meu íntimo e lá dentro chutei o pau da barraca, e logo em seguida concertei-o de volta. Por quê?! Ora, que outro motivo teria? ERA AGOSTO!
 Agosto rima com desgosto. Desgosto rima com Augusto. Augusto foi embora no mês de agosto. Me causou desgosto!
 (Olhe, não fique com raiva, é você mesmo. Quantos Augustos você acha que conheço, Augusto? Antes de tudo, ponha-se no meu lugar. Parece um quarto formidável para se viver? Parece? Responda!)
 Levantei com as malditas pantufas aquecendo meus malditos pés e andei até a cabeceira da cama. Lá guardo cartas, todas que ganhei na minha vida. Nove ao total. Todo dia conto elas, sempre achando que tá faltando alguma. Sempre achando que está faltando a décima.
 E a décima, tu bem sabes, ia me dar no mês de Agosto. Ia me pedir em casamento. Mas sempre me esqueço quando acordo...
 Esqueço de quê mesmo? Ah, as cartas. São belas cartas! Empoeiradas e frágeis, me lembrando antigos pergaminhos. Sabe, bem aqueles que os bancos usavam quando inaugurados para registrar as ações ou as cartas de navegação. Engraçado pensar que sou resultado de navios! Ou melhor, segundo a desculpa esfarrapada dos portugueses boêmios, resultado de um sopro que por sua vez mudou a rota!
 Voltei novamente para a cabeçeira, desta vez mais desperta. (Ela já fora mais branca certo tempo, decerto que já fora! Agora está num tom cinzento horroroso. Me lembra a ponta de seus cigarros.
 É, Augusto. O tempo está de mal conosco. Olha só o que ele me causou nos cabelos! Como se meus cabelos fossem a maior preocupação... Não são. O problema é esse maldito quarto branco.
 Maldito quarto branco que você me colocou no mês de agosto. Por quê, Augusto? Por quê?
 Dizem que trazem à sanidade. Sanidade, ora essa, me aponte um que o seja! O último a ter sanidade morreu na cruz. Morreu longe do Deus Pai.)
 E pensar que sou sopro! Virei-me pro espelho e perguntei:
 - Sou sopro?
 Ele, calado, me ignorou como sempre.( Um conselho, Augusto: Nunca faça amizade com espelhos! Miseráveis, eles te deixam em mil pedaços por dentro por que sabem que um dia vão se tornar mil pedaços. Pervesos!)
 Onde estava? Ah, é, droga, mês de Agosto.
AUGUSTO, DESGOSTO, AGOSTO! PODERIAM SER SINÔNIMOS! MALDIÇÃO!

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