Planeta Terra, anos 3076
(Laís Moura)
Planeta Terra, anos 3076
Honestamente, eu acredito que não mudou muita coisa do que você vive aí para o que eu vivo hoje. Os homens continuam com o coração gelado e com a maldita sensação de que tudo tem que ser planejado para não dar errado. As constelações desapareceram por cima das rodovias aéreas (inevitavelmente fomos obrigados a construí-lãs), as praias foram isoladas para as últimas espécies de peixes não morrerem, e Jesus ainda não voltou. Essa mania ridícula de que todos tem de acreditar que ele vem justo na sua geração. Bobagem, não está escrito que ele vem quando menos esperarmos?
Mas Jesus não é o caso. Eu vim mesmo é para falar aos sonhadores e pacificadores que vocês podem ter feito um ótimo trabalho com suas consciências, mas de resto, foi tempo perdido. A parte mais alta da hierarquia continua a torturar e buscar seus auto interesses, e é justamente por isso que estou aqui, invocando justiça através dessas milhares de teias que deságuam num esgoto só: internet. Não que ela seja ruim - caso contrário eu não poderia ser criada, meus pais se conheceram via internet como tudo nesse mundo atual - Mas não é ótima. Está longe de ser.
Ah, eu tenho essa mania terrível de esquecer de me apresentar. Meu nome é Rosemary, mas pros preguiçosos ficava apenas Rose, ou Mary, ou Ma. Pros que queriam falar diferente me chamavam de Roxy, apesar de não ter nada haver com meu próprio nome. E era justamente com um tipo deste último que eu estava naquela madrugada, e que por ventura me fez escrever o acontecimento. Ei-lo.
- Você realmente acredita nessas bobagens, Roxy?
Olhei para os automóveis que lembravam vaga-lumes no céu, e ofendida disse:
- Acredito, ué. Se não acreditar em amor quem vai acreditar por mim?
Otávio me fitou com seus olhos minúsculos, e franzindo a sobrancelha disse:
- Perda de tempo. Tão mais fácil achar alguém bom para você com o cálculo científico no Google.
- Você ainda acessa essa velharia, eu tenho mais o que fazer. Além disso, o bom nem sempre pode ser o melhor.
- Ah. - Disse enquanto revirava os olhos. - Por que o ruim realmente pode ser! Ande, venha cá.
E se aproximou de mim no banco, passando o braço pelos meus ombros e beijando minhas têmporas.
- Então você acredita que nós somos o primeiro casal do mundo a nos amarmos de verdade sem tecnologia?
- Você não parece acreditar nisso.
- Ah, Roxy. - Deu uma gargalhada profunda e continuou - Você é muito antiquada, só isso. E isso é legal.
E então smoguins (agentes disfarçados de bolinhas de gude) rolaram até a gente e, assumindo a forma humana, falaram:
- Por favor, nos acompanhe.
- Só digo o que for preciso com a presença do meu advogado. - Falei.
Eles me olharam como se eu tivesse acabado de pousar de Marte e pedisse um pouco de refresco de urina.
- Tudo bem.
Otávio revirou os olhos e, fazendo movimentos no ar, dados de advogados do país foram aparecendo de uma cor meio verde e, com uma voz entediada, falou:
- Escolha.
Cliquei no que me pareceu mais convincente e em segundos ele se materializou do meu lado, entrando na viatura da polícia como se estivesse indo fazer um piquenique divertido com a família. Fui também a contragosto e, com uma luz azulada na minha cara, puseram a me entrevistar como se eu fosse o mont Everest coberto de fezes. Justo nessa hora meu advogado se ausentou por problemas no estômago.
- Samantha Connor Lemos, o que você estava fazendo na noite anterior?
- Como é?
- Responda a pergunta.
- Sinto muito. Meu nome é Rosemary. Não sei de quem e do quê você está falando.
A agente esquelética e com olhar de caveira me fitou distraidamente e disse:
- Comece a falar.
E com um alicate, foi em direção às minhas mãos imobilizadas. Comecei a suar frio e antes que a tortura se desse ao início, outro smoguin adentrou a sala por debaixo do vão da porta e sussurrou uma ou outra palavra que fui incapaz de identificar. Após uma série de desculpas e promessas, fui liberada com uma quantia que eu não juntaria nem que vivesse cinco anos de reencarnação, em troca do meu silêncio. Como não era uma pacificadora nem tão pouco positiva, calei-me, e não me senti inicialmente culpada por isso. Nem tive tempo de me sentir de tal forma no posterior, por que com tamanha quantia fui assassinada por um vizinho, que embarcou na vida política e com o meu dinheiro compra propriedades e paga as mais caras meretrizes.
Por essas e outras é que aqui anuncio, que pior do que viver na miséria, caro leitor do bebê século XXI, é ser órfã e ter família apenas no virtual. É não saber e nunca nem ao menos avistar ao longe o amor.
Planeta Terra, anos 3076
Honestamente, eu acredito que não mudou muita coisa do que você vive aí para o que eu vivo hoje. Os homens continuam com o coração gelado e com a maldita sensação de que tudo tem que ser planejado para não dar errado. As constelações desapareceram por cima das rodovias aéreas (inevitavelmente fomos obrigados a construí-lãs), as praias foram isoladas para as últimas espécies de peixes não morrerem, e Jesus ainda não voltou. Essa mania ridícula de que todos tem de acreditar que ele vem justo na sua geração. Bobagem, não está escrito que ele vem quando menos esperarmos?
Mas Jesus não é o caso. Eu vim mesmo é para falar aos sonhadores e pacificadores que vocês podem ter feito um ótimo trabalho com suas consciências, mas de resto, foi tempo perdido. A parte mais alta da hierarquia continua a torturar e buscar seus auto interesses, e é justamente por isso que estou aqui, invocando justiça através dessas milhares de teias que deságuam num esgoto só: internet. Não que ela seja ruim - caso contrário eu não poderia ser criada, meus pais se conheceram via internet como tudo nesse mundo atual - Mas não é ótima. Está longe de ser.
Ah, eu tenho essa mania terrível de esquecer de me apresentar. Meu nome é Rosemary, mas pros preguiçosos ficava apenas Rose, ou Mary, ou Ma. Pros que queriam falar diferente me chamavam de Roxy, apesar de não ter nada haver com meu próprio nome. E era justamente com um tipo deste último que eu estava naquela madrugada, e que por ventura me fez escrever o acontecimento. Ei-lo.
- Você realmente acredita nessas bobagens, Roxy?
Olhei para os automóveis que lembravam vaga-lumes no céu, e ofendida disse:
- Acredito, ué. Se não acreditar em amor quem vai acreditar por mim?
Otávio me fitou com seus olhos minúsculos, e franzindo a sobrancelha disse:
- Perda de tempo. Tão mais fácil achar alguém bom para você com o cálculo científico no Google.
- Você ainda acessa essa velharia, eu tenho mais o que fazer. Além disso, o bom nem sempre pode ser o melhor.
- Ah. - Disse enquanto revirava os olhos. - Por que o ruim realmente pode ser! Ande, venha cá.
E se aproximou de mim no banco, passando o braço pelos meus ombros e beijando minhas têmporas.
- Então você acredita que nós somos o primeiro casal do mundo a nos amarmos de verdade sem tecnologia?
- Você não parece acreditar nisso.
- Ah, Roxy. - Deu uma gargalhada profunda e continuou - Você é muito antiquada, só isso. E isso é legal.
E então smoguins (agentes disfarçados de bolinhas de gude) rolaram até a gente e, assumindo a forma humana, falaram:
- Por favor, nos acompanhe.
- Só digo o que for preciso com a presença do meu advogado. - Falei.
Eles me olharam como se eu tivesse acabado de pousar de Marte e pedisse um pouco de refresco de urina.
- Tudo bem.
Otávio revirou os olhos e, fazendo movimentos no ar, dados de advogados do país foram aparecendo de uma cor meio verde e, com uma voz entediada, falou:
- Escolha.
Cliquei no que me pareceu mais convincente e em segundos ele se materializou do meu lado, entrando na viatura da polícia como se estivesse indo fazer um piquenique divertido com a família. Fui também a contragosto e, com uma luz azulada na minha cara, puseram a me entrevistar como se eu fosse o mont Everest coberto de fezes. Justo nessa hora meu advogado se ausentou por problemas no estômago.
- Samantha Connor Lemos, o que você estava fazendo na noite anterior?
- Como é?
- Responda a pergunta.
- Sinto muito. Meu nome é Rosemary. Não sei de quem e do quê você está falando.
A agente esquelética e com olhar de caveira me fitou distraidamente e disse:
- Comece a falar.
E com um alicate, foi em direção às minhas mãos imobilizadas. Comecei a suar frio e antes que a tortura se desse ao início, outro smoguin adentrou a sala por debaixo do vão da porta e sussurrou uma ou outra palavra que fui incapaz de identificar. Após uma série de desculpas e promessas, fui liberada com uma quantia que eu não juntaria nem que vivesse cinco anos de reencarnação, em troca do meu silêncio. Como não era uma pacificadora nem tão pouco positiva, calei-me, e não me senti inicialmente culpada por isso. Nem tive tempo de me sentir de tal forma no posterior, por que com tamanha quantia fui assassinada por um vizinho, que embarcou na vida política e com o meu dinheiro compra propriedades e paga as mais caras meretrizes.
Por essas e outras é que aqui anuncio, que pior do que viver na miséria, caro leitor do bebê século XXI, é ser órfã e ter família apenas no virtual. É não saber e nunca nem ao menos avistar ao longe o amor.
Comentários
Eu gostei deste texto... xD
estarei me identificando aqui como "Watt"
No ano de 3076 vai existir teletransporte e as companias aéreas irão a falência! rsrs. Tomara!
Achei bacana a estrutura do texto e a exposição de idéias. Ficou só um pouco confuso os discursos diretos, talvez dificulte um pouco a leitura para quem não está habituado. Tirando isso , o texto ficou bom.
Você faz só crônicas ou costuma também fazer poemas? E que tipo de texto é seu favorito pra escrever? (romantico, aventura, policial, etc.)
Ah, faço poemas mas acabo que nem publicando, por que aqui nesse site só são crônicas mesmo. Tava até pensando um dia desses se deveria publicá-los ou não. O que vier na cabeça eu escrevo mas gosto mais dos meus textos de ficção... eles são menos previsíveis! :D