Desvantagens
(Laís Moura)
Eu estava na minha mais efadonha missão feminina (depilação) quando o celular dela tocou. Ela deu uma olhada para mim de soslaio e sorriu, um sorriso que significava muito mais do que um sinal do corpo de que estava alegre com alguma coisa.
- Esse povo... - Ela disse enquanto ria. - Já se viu? Um amigo meu que conheci um dia, me ligando pedindo para me ver... E essa! Eu dizendo que sou uma mulher casada e ele com aquele papinho mulherengo... - Ela sorriu, os olhos brilhando de um caso antigo vindo à tona.
Entreabi meu olho, minhas pálpebras pesadas me impedindo de fazer tal ato. Perguntei se ela era casada há muito tempo, e ela disse que era há 16 anos.
Era o aniversário de casamento de uma amiga de minha mãe. Eu era bem pequena da última vez que a vi, mas lembro que adorava ela por ela saber fazer a voz igual ao do pato Donald. Minha mãe segurou minha mão com mais força que o usual e atravessamos a rua, indo na direção da estação de metrô mais movimentada do que também o usual.
- Quem ela acha que é? 45 minutos de atraso... Para a própria organização do casamento.
Olhei o chão, me perguntando por que ela estava tão chateada com alguém tão legal como a moça da voz do pato Donald.
- Não é bem casamento, a gente só mora junto. - Ela falou depois de um longo intervalo, tirando meus pensamentos da moça de cabelo encaracolado e da voz do pato Donald. Fiz uma expressão de surpresa, visto que ela tinha um filho de 16 e outra de 11.
- Ah querida, não fique surpresa. Eu não sou mulher para me casar com nenhum homem. Não vou me prestar a esse papel, ainda mais sabendo o mulherengo que mora comigo.
- Mulherengo?
- É, minha filha, com várias.
Arrisquei-me a adentrar em um território mais íntimo:
- Mas você mora com ele ainda assim?
Ela riu de escárnio:
- Ah, eu não me importo, nem um poquinho!
Arregalei mais ainda meus olhos, o que me custaram uma dor pela dormência das minhas pálpebras.
- Minha filha, confiar em homem é perda de tempo. Me diga um que nunca traiu sua esposa, UM!
Pensei sobre a resposta e me culpei por demorar tanto para responder:
- Meu pai.
Ela riu mais ainda, com lágrimas nos olhos com a minha "piada".
- Muito inteligente ele. Não deixou que vocês percebessem. Homem esperto é assim. Tão tola... Bem, não permita que você pense assim não. Vai sair perdendo.
Dei um sorriso largo, perguntando com que direito ela acusava meu pai. Acabei tendo compaixão pela descrença do verdadeiro amor, que eu sabia, estava bem raro. Ela estava passando a pinça enquanto sussurrava:
- Homem nenhum é fiel. Homem nenhum. Nenhum.
Talvez estivesse falando mais para si mesma do que para mim, ou pelo menos quis acreditar que assim o fosse. Observei seu rosto concentrado, o olhar perdido em seu passado, talvez na próvavel cama que dormia sozinha com o "marido" no sofá. Seu rosto cansado, os olhos sombreados e o nariz pequeno, parecendo uma caveira em decomposição. Estremeci de leve, e ela deu um sorriso.
- Claro que fiquei triste quando soube da primeira mulher. Mas depois recuperei, dei o troco, e ele ri, dizendo que sou miserável. Mas o que mais poderia ser? Aprendi tudo com ele... Bom professor.
A ideia de ela ficar confidenciado o casamento fracassado que tinha há 16 anos com alguém da idade de seu filho me fez ter um pequeno instante de repulsa.
- Acho que fui criada num ambiente muito politicamente correto. - Confessei.
Ela riu e disse:
- Talvez.
Terminou o seu trabalho e se despediu de mim com um beijo no ar, descendo as escadas com pressa e com um sorriso maroto nos lábios. Fiquei mais um tempo naquele andar, absorvendo o máximo do ar condicionado antes de me enfurnar no calor da cidade. Ouvi uma buzina conhecida e olhei no parapeito da janela, vendo minha depiladora abraçar intimamente um homem que a tentou beijar em seus lábios, do qual, eu tinha certeza, não era seu marido.
Eu estava na minha mais efadonha missão feminina (depilação) quando o celular dela tocou. Ela deu uma olhada para mim de soslaio e sorriu, um sorriso que significava muito mais do que um sinal do corpo de que estava alegre com alguma coisa.
- Esse povo... - Ela disse enquanto ria. - Já se viu? Um amigo meu que conheci um dia, me ligando pedindo para me ver... E essa! Eu dizendo que sou uma mulher casada e ele com aquele papinho mulherengo... - Ela sorriu, os olhos brilhando de um caso antigo vindo à tona.
Entreabi meu olho, minhas pálpebras pesadas me impedindo de fazer tal ato. Perguntei se ela era casada há muito tempo, e ela disse que era há 16 anos.
Era o aniversário de casamento de uma amiga de minha mãe. Eu era bem pequena da última vez que a vi, mas lembro que adorava ela por ela saber fazer a voz igual ao do pato Donald. Minha mãe segurou minha mão com mais força que o usual e atravessamos a rua, indo na direção da estação de metrô mais movimentada do que também o usual.
- Quem ela acha que é? 45 minutos de atraso... Para a própria organização do casamento.
Olhei o chão, me perguntando por que ela estava tão chateada com alguém tão legal como a moça da voz do pato Donald.
- Não é bem casamento, a gente só mora junto. - Ela falou depois de um longo intervalo, tirando meus pensamentos da moça de cabelo encaracolado e da voz do pato Donald. Fiz uma expressão de surpresa, visto que ela tinha um filho de 16 e outra de 11.
- Ah querida, não fique surpresa. Eu não sou mulher para me casar com nenhum homem. Não vou me prestar a esse papel, ainda mais sabendo o mulherengo que mora comigo.
- Mulherengo?
- É, minha filha, com várias.
Arrisquei-me a adentrar em um território mais íntimo:
- Mas você mora com ele ainda assim?
Ela riu de escárnio:
- Ah, eu não me importo, nem um poquinho!
Arregalei mais ainda meus olhos, o que me custaram uma dor pela dormência das minhas pálpebras.
- Minha filha, confiar em homem é perda de tempo. Me diga um que nunca traiu sua esposa, UM!
Pensei sobre a resposta e me culpei por demorar tanto para responder:
- Meu pai.
Ela riu mais ainda, com lágrimas nos olhos com a minha "piada".
- Muito inteligente ele. Não deixou que vocês percebessem. Homem esperto é assim. Tão tola... Bem, não permita que você pense assim não. Vai sair perdendo.
Dei um sorriso largo, perguntando com que direito ela acusava meu pai. Acabei tendo compaixão pela descrença do verdadeiro amor, que eu sabia, estava bem raro. Ela estava passando a pinça enquanto sussurrava:
- Homem nenhum é fiel. Homem nenhum. Nenhum.
Talvez estivesse falando mais para si mesma do que para mim, ou pelo menos quis acreditar que assim o fosse. Observei seu rosto concentrado, o olhar perdido em seu passado, talvez na próvavel cama que dormia sozinha com o "marido" no sofá. Seu rosto cansado, os olhos sombreados e o nariz pequeno, parecendo uma caveira em decomposição. Estremeci de leve, e ela deu um sorriso.
- Claro que fiquei triste quando soube da primeira mulher. Mas depois recuperei, dei o troco, e ele ri, dizendo que sou miserável. Mas o que mais poderia ser? Aprendi tudo com ele... Bom professor.
A ideia de ela ficar confidenciado o casamento fracassado que tinha há 16 anos com alguém da idade de seu filho me fez ter um pequeno instante de repulsa.
- Acho que fui criada num ambiente muito politicamente correto. - Confessei.
Ela riu e disse:
- Talvez.
Terminou o seu trabalho e se despediu de mim com um beijo no ar, descendo as escadas com pressa e com um sorriso maroto nos lábios. Fiquei mais um tempo naquele andar, absorvendo o máximo do ar condicionado antes de me enfurnar no calor da cidade. Ouvi uma buzina conhecida e olhei no parapeito da janela, vendo minha depiladora abraçar intimamente um homem que a tentou beijar em seus lábios, do qual, eu tinha certeza, não era seu marido.
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