Caminho tortuoso

(Laís Moura)

 A mala que eu carregava não estava tão pesada assim. Era cinza, arredondada, e o único desconforto era que fazia minha mão suar. O sol estava a pino sobre minha cabeça, e a estradinha de terra que eu andava resmungava de atrito toda vez que eu dava um passo. Logo avistei-a, era uma casinha não muito simples mas nem por isso luxuosa num jardim, que hora estava bem verde hora estava amarelada. Enchuguei o suor da testa e parei em frente a porta, colocando a mala ao meu lado no chão. Havia um tapetinho simpático, que apesar de não estar escrito sugeria boas vindas.
 Faltava a chave.
 Sai da cerca que rodeava a casa e andei por trás dela, um gramado a se perder de vista. Achei a chave sem maiores transtornos jogada no mato, e estava um pouco enferrujada.
 Dei apenas um giro e a porta cedeu. Entrei na sala apertada, dava para sentir o eco dos meus passos enquanto andava. Tinha um sofá que cabia explodindo três pessoas encostado na parede, que tinha uma janela um pouco suja logo acima e sem cortinas.  Logo na frente do sofá tinha uma escada de madeira, que apesar de aparantemente velha tinha seu charme. Olhei bem em volta, sentindo alguma coisa estar fora de lugar.
 Senti um sussurro na minha nuca e meus pêlos se arrepiarem, e quando me virei, encostada na porta estava o que minha genética chama de avó. Ela me olhou de cima a baixo e disse:
 - Você aqui.
 - Essa é a minha casa.
 Ela deu um sorriso hostil, e as paredes começaram a pulsar devagar. Perderam a cor branca e se transformaram num vermelho vivo, deixando a casa num formato um tanto estranho.
 Subi os degraus, e entrei na única porta que tinha no andar de cima. Era o meu quarto verdadeiro, com tudo no lugar da forma que eu gostava. O andar de baixo de repente tinha se transformado num lugar não muito bom de se ficar, e me agachei na parede que a cama fica encostada, apoiando minha cabeça nos joelhos para descansar um pouco. Depois de um tempo me levantei, e embaixo de mim havia um abismo vermelho e quente, almas estendo a mão para me levarem com elas. Dei um sobressalto, e corri pelo estreito caminho de madeira que me levava até a porta, rangendo em gritos cada vez que me aproximava da saída.
 Parei novamente na escada. Olhei embaixo e o que antes eu tinha julgado como hostil não era nada em relação a como estava. Todas as pessoas más que eu tinha conhecido confraternizavam entre si, na minha casa. A segunda coisa que notei foi que as paredes vermelhas e pulsantes estavam com gazes e parufos enfiados, formando protuberâncias roxas e infecciosas.
 Atravessei a sala em poucos segundos e olhei pela janela, avistando um parquinho abandonado. O balanço ainda se movimentava. Nunca gostei de parquinhos, muito menos abondadonados, e aquele me veio a tona como uma apunhalada no coração. As paredes latejaram com força.
 Corri para a porta e tentei abrir sem sucesso. Forcei a maçaneta com toda minha vontade, e a chave já não fazia mais efeito. Estava grande demais.
 - Você não vai sair. - Disse uma das pessoas. - Nós não vamos deixar.
 Sangue começou a escorrer pelas paredes, a adrenalina circulando nas minhas veias.
 - Vou. - Disse com a voz trêmula. - Essa é a minha casa. Eu ordeno que vão embora.
 Um homem riu forte, sua coluna curvada e seu rosto doentio.
 - Não é só sua. Não mesmo.
 O sangue que escorria já estava batendo nos meus tornozelos, e eu me debatia desesperada e com lágrimas gordas rolando pelo meu rosto.
 - Laís. Volte.
 
- Não consigo! Eles não me deixam ir!
 - Aumente de tamanho. Finalize sua visita ao seu coração.  Abri os olhos por instante e olhei assustada o teto da escola, mas fui puxada de volta para baixo. O sangue já estava nas minhas coxas.
 - Me deixem ir!
 Um colega tocou em minha perna, o toque gélido me arrastando para a realidade de forma abrupta.
 - Volte.
 
Contraí meu diafragma e contorci minha coluna, minha alma entre a realidade e aquela estrada inútil de terra.
 - Não consigo!
 Meu corpo foi sacudido, e voltei como num susto com lágrimas que escorreram até meus ouvidos. Ao meu redor meus colegas de sala a me observarem aturdidos, e com uma dor de cabeça latejante revirei os olhos e desmaiei.



Baseado em fatos reais.

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