15 anos

(Laís Moura e Bárbara Suzart)

Assim como qualquer outro garoto comum, aos 15 anos eu não batia bem da cabeça. Eu nunca nem ia imaginar que uma coisa dessas fosse acontecer - não com minha pessoa, isso jamais! - quando fui inventar de namorar uma garota que morava na cidadezinha de um interior lá no fim do mundo que minha avó também morava. Ela bem sabia com quem estava se metendo, e sabia mesmo longe me manter sob seus olhares.
Já eu mal fazia idéia.
Claro, a vida é cheia de arrependimentos, e ao chegar a velhice todo mundo filosofa : "Não voltaria no tempo... Se não eu não seria quem eu sou hoje". Eles podem estar falando a verdade, mas eu digo uma coisa: Sim, voltaria no tempo. O mais cedo que pudesse e da forma mais rápida possível, mas em apenas uma situação: No dia que a pedi em namoro. Caso não tivesse feiro, não estaria aqui para narrar o fato a seguir.

- Fico tão feliz, amor! Logo você que não gosta de passar dias aqui na cidade resolve passar suas férias com toda sua família?
- Era para ser surpresa, mas não resisti... - Respondi, tentando parecer adulto.
- A casa estará pronta quando você chegar. Já estou anciosa.


Levei semanas para organizar tudo. O dia que íamos andar à cavalos, nadar no rio, catar amoras gordas, dar comida às galinhas... E todos os programas típicos de fazenda. Eu estava completamente realizado, e estava criando uma leve irritação no estômago pela ansiedade que frequentemente me deixava enjoado. Meu pai se orgulhava do meu desepenho e da forma que, mesmo sem querer, fazia com que as garotas se apaixonassem por mim - típico da primozia masculina daquela época - e minha mãe, apesar dos seus postulados de namoro-após-faculdade-e-logo-depois-casamento no fundo mimava a Gunny (É, gunny era seu nome. As pessoas frequentemente se esqueciam de que estavam no Brasil ao dar o nome aos seus filhos naquela região. Gunny não sabia, mas seu prefixo "gun" significava arma). Ela esbanjava doçura e cativava qualquer ser que passasse perto dela, desde cachorrinhos e patinhos e até idosos em cadeiras de rodas. Gostava de se enfiar debaixo de árvores em final de tardes e sentir as formigas andarem por seus pés - ela nunca na vida fora picada - enquanto lia Sidney Sheldon. Em pouco tempo pegou algumas de minhas manias, como andar com o pé direito inclinado ligeiramente para a direita e coçar a nuca pelo prazer de pegar no pescoço, e sabia me decodificar muito melhor que meus pais.
Estava convicto que jamais acharia alguém melhor que ela. E assim fui criando uma serpente.

Era uma casa grande e simples. Arejada, com um enorme jardim arrodeando e uma piscina semi-olímpica, ficamos hospedados. Meus pais estavam num quarto comigo, os pais dela noutro, e Gunny com sua irmã Kathleen, mais conhecida como Kate - apenas eu a chamava pelo nome completo - em outro. Na diagonal do portão principal dormia o caseiro viúvo com sua filha de 14 anos e seu filho de 16. À noite o céu por si só iluminava o sítio, de tanta estrela que brilhava lá em cima, além da lua que naquela estação ficava bem em frente à casa. Pelo menos na maior porcentagem na casa.
E foi numa maldita madrugada que resolvi levantar meu traseiro da cama por causa de uma força maior: estava morrendo de sede. Atravessei a sala que zunia de tão silenciosa, e abri a geladeira que durante uns breves segundos me cegou. E então vi um vulto.
Fechei a geladeira, vindo em minha mente borrões velozes de roubos que estavam cada vez mais frequentes naquela região. Andei devagar até a pia, me achando um tanto quanto ridículo, e peguei uma faca que estava sobre o descanso de prato.
Sobressaltei quando vi o vulto novamente, e descobri que ele tinha nome. Kathleen.
- Meu Deus, você me assustou!
Ela riu:
- Desculpe. Esqueço que você é o garoto assustado da cidade grande.
Era cerca de duas horas da manhã, e ficamos conversando sem ver o tempo passar. Depois de quase duas horas de conversa vi Gunny meio de longe, com uma foice na mão.
 - Gunny - Chamei. - O que está fazendo?
 Ela veio correndo até mim, morrendo de ódio e chingando Kate, achando que estávamos num romance clandestino. Seus cabelos negros cobriam metade da cara, sua pele fina saltando as veias de raiva. Quando me dei conta que ela ia me matar ali mesmo, ela já tinha arranhado meu rosto, e nessa saí em disparada. Peguei a estrada e corri o mais rápido que pude, sentindo o corte latejante derramar sangue quente.
 Ouvi a tão familiar buzina do carro de meus pais. Estava a salvo.

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