Casinha velha na colina

(Laís Moura)

Havia um velhinho. Este velinho estava de volta ao campo, onde passara sua infância toda. Morava numa casinha velha, tão acabada que a madeira cheirava à mofo. Após uma vida conturbada na cidade e à morte da sua adorada esposa, decidiu escrever mais um livro; Só que este dedicado à ela. Então lá estava ele no alto de uma colina tão grande que ao olhar os gados do parapeito da janela via-se apenas pontinhos gordos brancos.


Era o início do clímax que escrevia quando à noite uma tempestade assombrou toda a região. A ventania era tão devastadora que ouvia-se o zumbido como os fantasmas fazem nos filmes entre as paredes, carregando com ela todos os papéis que o tão bagunçado velhinho deixava aos cantos. Quem se aproximasse da casinha sentiria apenas um sinal de vida: o barulho de dedos finos e vertiginosos a teclar num computador.
Após um tempo curto do início da tempestade, o velhinho ouviu alguém batendo a porta. Descendo as escadas vacilante e demoradamente, ficou a escuta tentando ver o que acontecia em meio às trovoadas. E novamente o tocar na porta, só que mais forte, tão forte que a porta corroída foi ao chão. Lá estava um ser enorme, tão magricela que dava para notar as costelas atrás dos trapos que vestia. Tinha uma orelha muito maior do que a outra, mãos enormes, e um sorriso tão branco que a lua fazia com que brilhasse. Mas observando melhor, o velhinho notou que nesse sorriso haviam manchas vermelhas. O monstrengo deu um passo a frente e sussurrou com uma voz rouca:
- Tenho fome!
O Velhinho ficou um tempo com a boca seca observando a boca umedecida do ser e não teve maiores dúvidas: era o protagonista do seu livro de ficção em sua porta. Sabia como seria a visita da Morte com o monstro, e sabia que detinha o poder na mão de faze-lo antes. Porém, a Morte tão sábia em seu poder e idade avançada, poderia dar o troco tirando a vida do velhinho. Além disso, se matasse a criatura, poderia ao mesmo tempo assassinar sua criatividade e história, e isso era o que mais temia. Acolheu-o então em sua humilde residência temporária e deu as sobras do almoço, uns pedaços de frango cozido e um copo de água à ele. Devorou tudo o mais rápido possível (deixando o copo intocado) e saciado deitou-se no chão mesmo. O velhinho pegou o único cobertor que tinha e cedeu ao monstrinho, e ali ficou dois dias inteiros até ele acordar.
- TENHO SEDE! - Exclamou ele enquanto coçava com seus dedos longos as costas.
Nem água, nem suco, nem leite resolveram o problema. Entendendo que a questão era sangue e que não ia conseguir sangue de animal tão cedo o velhinho cedeu do seu próprio. Enquanto a criatura lambia sua veia, ele suspirou ruidosamente. E assim após 7 horas o velhinho veio a falecer, com a casa repleta de sangue.
Esquizofrênico, o velhinho resumiu sua vida toda num suicídio.

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