Algo cinza

(Laís Moura e Bárbara Suzart)


- Eu não vou, não adianta.
- Ah, você vai moçinha. Você nunca vem visitar sua tia aqui, e quando vem fica de cara feia! Ela vai ficar muito feliz se você a acompanhar para sair, então VOCÊ VAI.
- MAS MÃE!
- Ah, fim de papo.
Então lá estava eu andando naquela cidade de fim de mundo, acreditando de verdade que ela ia me levar para almoçar num lugar decente com minha prima. Como não saio sem saltos, enfiei-me numa calça jeans chorando de desespero - aquele cerrado estava me fazendo engordar consideravelmente - e fui, retocando meu lápis de olho antes de sair. Minha prima com uma blusa quadriculada me lançou um sorriso caipira, e com um matinho na boca (SIM, MATINHO!) ela estendeu o braço e me deu um abraço urso.
"Respire, - pensei - é só um almoço."


X

Não houve nenhuma mensagem divina nem nada parecido, como sempre acontece nos filme. O dia tava claro, a temperatura abafada, e meus primo estava tudo bem de saúde. Todo mundo me cumprimentava quando passava por mim na feira, e craro que eu respondia. Mainha tava orgulhosa de mim : Eu estava trabalhando! Sim, com 16 anos estava trabalhando! Então, lá estava eu com os óio d'água cortando a cebola para pendurar quando passa por mim as vizinha com sua hóspede maluca. Nunca tinha visto ela de perto, mas quando eu vi ela meu coração congelou.
Ela tinha cara de morta. Apesar de o cabelo ser colorido, ela olhava como se não estivesse lá. Se ela não usasse aquele troço de tinta no olho, com certeza ia ficar muito mais bonita.

- Olá, Gustavo! Como andam as vendas? - Perguntou a mais velha, a tia.
- Tá tudo bem, madame! Tudo ótimo...


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Recorde de alguém que no seu infortúnuo você conhece e que fala pelos cotovelos. Agora imagine essa pessoa fazendo um discurso pós formatura com o tempo de duração que ela bem escolhesse. Exato: não chega nem perto da minha tia. Não dá nem para molhar os pés na água, falando no sentido figurado, obviamente. Se bem que, ooops, sentido figurado e figuras de linguagem não podem coexistir naquela amostra de inferno.
Por que lá não existe português.
Então enquanto minha prima que eu seriamente desconfiava ser bissexual perguntava o que cargas d'agua eu fazia no meio de um monte de prédio eu fingia que não ouvia. E foi quando umas trés galinhas começaram a pular feito doidas em volta de mim e que eu "sem querer" esmaguei uma delas com o meu salto (o que fez todo mundo parar de falar e prender a respiração) foi que eu lembrei que tinha que mandar uma mensagem para meu editor-chefe.
Só que meu celular não se localizava onde eu tinha colocado da última vez. Estava no bolso daquela maldita calça jeans, na nádega direita, e não estava lá.
Malditos, diria eu. E cambaleando no chão de buracos e de penas de galinha grudando no meu pé voltei correndo procurando algo cinza no chão.
E foi quando vi quatro vermes brincando de bobinho. Com O MEU CELULAR.


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- Porreta vey, esse celular. Nunca tinha visto um desses. - Disse Anderson - Vem pegar, Josh. Vem, vem. - E dando gargalhadas jogou-o para mim. Só que ele sempre se esquece da força que tem, e acabou indo parar no teto do quiosque mais alto que tem na feira, e como o teto é meio inclinado, o celular estava escorregando para cair no chão. E se caísse, era uma vez um celular.
Comecei a correr. Como era domingo a feira tava lotada, então não foi uma corrida. Foi uma caminhada rápida. Enquanto ia na minha missão, esbarrei numa bandeija de maçãs, que caiu e lançou maçã para todo lado. Dei impulso numa mesa de um quiosque vizinho e pulei para o teto do outro.
Enquanto voava percebi que o impulso deveria ser mais forte, e que se eu não morresse (o que eu duvidava muito, visto que a mulher da morte passou pela minha mesa hoje) minha mãe ia me matar.

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Corri, e pouco me importei se fui esbarrando em todo mundo. Meu celular tinha toda minha vida, e por mais que eu pudesse comprar outro aquele era meu xodó. E eu tinha gastado toda minha mesada do mês só nele. Então, com meus pés já reclamando do calor e do salto, fui o mais rápido que pude para pegar meu celular que caía bem devagarinho, como cena de filme. Me joguei no chão para pegá-lo antes que virasse pó (bem que eu pensei duas vezes antes de fazer isso) e quando o peguei estava fora de área. Encaixei meu salto numa cadeira e o outro numa mesa vizinha, ficando com as pernas semi abertas e o mais alto possível para conseguir algum sinal.
Uma das coisas que eu mais me inconformava era de simplismente não existir antena naquele lugar. Então ou eu dava uma de Tarzan ou passava o dia inteiro olhando pro teto. Então lá estava eu dando uma de Tarzan quando eu senti que algo estava MUITO errado. Então quando olhei pro lado lá estava o verme mais baixo pendurado há uns três metros do chão, carregando seu peso com apenas 5 dedos enquanto arfava.
Ele ia cair, claro. Só que ele era gente (apesar de eu não ter muita certeza se aquelas pessoas eram gente - você acredita que a canja de galinha deles é tripa de galinha?), e saltei caindo no chão com os joelhos flexionados, e colocando o cabelo atrás da orelha derrubei uma gaiola enorme de coelhinhos que destravou (e coelhinhos gordos começaram a pular de um lado para o outro. Um não saiu de perto de mim, e fui obrigada depois a comprá-lo). Abri meus braços e ele caiu a toda, e como eu bem tinha estudado em física, sabia que o peso dele ia no mínimo dobrar com a queda livre. Caímos os dois então no chão, e minha bunda grande amorteceu a queda dele - o que por consequencia eu fiquei com hematomas nas nádegas - e, olhando no meu rosto a centímetros de distância, a primeira coisa que ele foi capaz de dizer foi:
- Você me lembra alguém de algum desenho animado.
- Hmmm. Sério?
- Ah, lembrei! A noiva cadáver!


X

- Por que está me olhando assim?
Ela nem quis saber de conversa: foi embora e sumiu na multidão que comprava seus alimento.

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