Além da obviedade

(Laís Moura)

- Ah, do início. Como queira.
" Era outono, ou pelo menos deveria ser. Um calor abafado, jamais vou me acostumar a essa cidade... Já tinha me acostumado com aquele colégio. Sim, sim, parece uma forma repugnante de se dirigir ao lugar de onde tudo começou, mas não é a verdade que você quer ouvir? Pois bem, vim para cá por que meus pais escolheram viver uma aventura, e na idade que eles estão optei por vir. Alem do quê eles eram a única coisa que me ligava à normalidade, sem eu precisar que controlar meus sentimentos e apreenções. Pode parecer estranho que eu me sinta assim, já que eles foram os responsáveis pelo meu casamento aos 13 anos... Se me chateei por isso? Olha, para mim era mais do que esperado, sabe? É uma tradição muito antiga lá na Inglaterra, que raras famílias mantêm (só conheço a minha, mas tudo bem) e que, bom, eu morava no interior e não poderia ter muita escolha. Eu estava simplismente brincando de boneca aos meus 5 anos quando vi aquele casal rico e tradicional com seu filho, e minha mãe com um sorriso de orelha a orelha me disse que seria meu futuro marido. Como se eu soubesse o que era marido...
" Ah, eu fui sempre muito distante de meus pais. Fui uma filha indesejada, eles queriam muito um menino, então não ligavam exatamente para tudo que eu pensava ou sentia. Me amaram à maneira que podiam em meio à tantos preconceitos, e então com 7 anos nos mudamos para o Brasil. Vivia em São Paulo, nunca mais vi o Christopher e nem lembrava mais que ele existia. Foi quando recebi uma carta sobre como ele se sentia e pensava que lembrei que estava comprometida (nada que causasse peso na minha consciencia, afinal eu tinha 10 anos quando aconteceu) e foi aí que ele veio para o Brasil dois anos depois. Você deve imaginar o que resulta quando duas crianças tem que assumir responsabilidades de marido e mulher. Afinal éramos crianças aos 13 anos quando nos unimos diante de Deus, apesar de eu me julgar tão sábia e tão madura diante da minha idade. Tinha muitos amigos, mas nenhum deles sabiam que o anel que eu usava no dedo era uma aliança. E, por mais que eu disesse, você acha que iriam acreditar? Claro que me perguntavam de como eu aprendia as coisas e conseguia lidar com as situações de maneira tão confiante e madura, mas quem se importa!? As coisas misteriosas sempre tem aquele sabor... E então lá estava eu na minha lua de mel, e com seus cabelos loiros repicados caindo sobre a franja virou para mim e disse 'você me perdoa?' aí eu: 'perdoar o quê?' ele: 'Não sei o que fazer.' Quer dizer, AHN? Isso é humano? E então ligamos a TV e começamos a jogar vídeo game. Essa foi nossa lua de mel... Mas sabe, apesar de tudo eu não culpo meus pais por isso. Christopher foi uma das maiores bênçãos da minha vida.
" Ah, certo. Você já ouviu o suficiente sobre meu casamento, afinal já alimentou sua curiosidade com isso, certo? Ok, desculpe. Ah, antes de eu começar a falar mesmo, você pode virar essa luz um pouco mais para longe do meu rosto? tenho problemas com a claridade. Ah, pronto, agora está melhor. Então, como eu ia dizendo, eu estava saindo do colégio como de costume indo para a casa, quando uma amiga minha, a Carla, me parou e perguntou se eu tinha planos para à noite daquele dia. Aí eu falei que não, e ela disse que ia sair com o pessoal nosso amigo e que eu podia chamar o Chris. Falei que ia conversar com ele sobre o convite e que a ligaria de volta. Ela sorriu, e falou que tinha certeza que eu ia. E acrescentou, dizendo que eu tinha que me divertir mais. E foi isso. O quê? As palavras exatas? Mas foram justamente essas! Afinal, por quê não entrevistaram a Laís ou a Bárbara? Tinha que ser eu? Ah, a principal suspeita do crime... FALA SÉRIO, ela DESAPARECEU NAQUELA NOITE, e SÓ porque eu não fui EU que tinha que dar chá de sumiço nela? Tão me olhando assim porquê? Sempre vivi bem no meu canto, meu relacionamento mais sério é com o Chris e nem sequer tenho motivos para praticar tal ação. Ah, então é isso... andou entrevistando os outros alunos por alto e falaram que eu era a principal suspeita? Talvez tenham realmente dito isso, por que no início do ano eu fiquei tão assustada com as tradições e o ambiente que me afundei em mim mesma. Não falava com praticamente ninguém e cortava a maioria das pessoas, mas isso passou, obviamente... Então, como as pessoas tem uma terrível tendência de acrescentarem características à pessoas misteriosas, me rotularam como sinistra.
" Eu era, e confesso. Chris tentava me ajudar a mudar isso da melhor maneira que podia, e consegui mudando aos poucos. Brigamos muitas vezes nessa época... Mas nunca fiz nada de errado do ponto de vista da lei.  E pouco me importa se Carla era adorada por todos menos por mim, Aliás até onde eu saiba eu tenho o livre arbítrio de decidir com quem eu quero andar ou não. Juntando isso ao fato de ainda acharem que eu sou sinistra, o quebra cabeça completou rapidinho! Sinceramente, essa história já está mais do que esgotando, isso afeta até o coitado do Chris, por que seus amigos também não falam mais com ele. E eu entendo seu trabalho, sei que deve entrevistar todos que podem estar envolvidos, e por isso não contratei nenhum advogado ainda por que sei que não preciso. Não sou culpada de nada, e você pode usar a máquina que for para tentar mostrar mentiras. Nada vai ser detectado.
" É. só isso.
" Já posso ir? Então tá. Boa sorte."

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