Jaheuim, a elfa

(Laís Moura)

Desde crianças somos influenciados a seguir um modelo designado pela sociedade e/ou pela mídia. As meninas vão pro berçário rosa e os meninos para o azul; As meninas ganham bonecas e os meninos bola de futebol. Agora pensem comigo: e se de repente viesse uma geração que se colocasse contra tudo isso? Porquê agora também está na moda ser do contra. Mas ser diferente (isso já é completamente diferente) isso é o que marca, o que impressiona...
... E o que pode ser fatal.
- Lá vem você escrevendo seus contos nesse blog. - Disse minha amiga sentando-se na beira da minha cama. - Por que você não escreve um conto sobre ela?
Parei para pensar, e já sabia exatamente sobre quem ela estava falando.
E cá estamos nós no início, meio, e fim.

Nesse campus de universidade existem várias "casinhas" (digamos assim), mais conhecidas como repúblicas, onde os estudantes dividem os quartos (geralmente 2 ou 3) e passam um determinado tempo rodeados de alienação e tudo que uma faculdade pode oferecer. Alguns pagam só pelas festas, o que não deixa de exemplificar essa sociedade corrupta e desigual. Dentre essas casinhas a geração dos excluídos construiram uma: sabe, aqueles que não tiveram uma história de os pais frequentarem a mesma república? Então, você já deve imaginar por estereótipo o tipo de gente que frequenta essas repúblicas dos excluidos.
Eu estava nela.
Apesar do conflito dos gostos, nossa comunidade não deixava de ter uma identidade. Eram três caras (nem um pouco estudiosos, mas viciados em video games) e duas garotas (eu sendo uma delas). Eu era amiga dos três desde criança (foram meus únicos amigos) e tinha pegado uma amizade cautelosa com a outra garota. Apesar de ser muito educada e engraçada, ela era muito desorganizada, e frequentemente perdia coisas minhas e dos meninos. (Por que ela pegava as calças jeans deles e saia por ai, sem mais nem menos). Ela tinha um namorado que morava em outra cidade, um rapaz sério e bem simpático. Se falavam por web toda noite, até que tinha dias que nós 5 conversávamos com ele. E nesse ritmo a gente ia, até que na terceira semana uma garota apareceu à nossa porta perguntando se tinha um lugar para ficar.
Agora pense numa garota bonita e multiplique por infinitas vezes. Chegava a ser divino (nunca consegui explicar direito para ninguém, mas vou fazer o máximo): Ela tinha longos cabelos cacheados e definidos, uma pele parda e olhos verdes. Mas não eram qualquer verde... eram um verde completamente diferente, de uma tonalidade que acho que nem deve ter nome.
- CLARO, CLARO. - Disse Rodrigo, chamando ela para entrar no aposento. - Sempre dá para mais um aqui.
Ela não era humana. Isso eu tinha certeza. Nossa espécie tem um sexto sentido para detectar não humanos, mas na maioria das vezes as pessoas apagam por vergonha ou por acreditarem que é impossível, mas eu tenho certeza que O Senhor dos Anéis não foi escrito por acaso. Tenho certeza que Tolkien tinha esse sexto sentido tão apurado quanto o meu. E dentre essas espécies eu suspeitava de duas delas: Ou ela era sereia ou uma elfa - ambas carregam uma beleza irreal. Mas sereias que passam no filmes de hoje (Ah! aquilo é tão deprimente) não tem muita coisa haver da dos dias de hoje. Elas podem andar tranquilamente pela terra, a diferença é que se comunicam melhor com animais marinhos do que humanos e podem respirar debaixo d'água.
Mas claro que não expus minha teoria à eles. Eles acham que eu fumo um baseado de vez em quando e até acham legal esse meu modo "estranho" de ver o mundo, e provavelmente meu cabelo raspado pela metade só confirmam para eles e para o resto do mundo uma única coisa: tenho alguns vários parafusos a menos.
- Qual é o seu nome? - Perguntou Bárbara.
- Ah, - Disse ela, tentando se lembrar do próprio nome (por que claro que não era real, e apesar desse esquecimento ter sido muito breve eu notei seu olhar indo para o campo esquerdo do cérebro, que é a parte que as pessoas olham quando falam algo que não é real). - Ariel.
Ah! Uma referência à sereia da Walt Disney... isso só podia significar alguma coisa.
Passei aquela noite na paranóia, e não consegui dormir praticamente nada. Passou-se então uns quatro meses (e eu já tinha esquecido dessa história toda) quando corríamos pela pracinha de manhã cedo, e ela então colocou o cabelo atrás da orelha e eu vi, vi como água cristalina numa areia branca.
Ela era uma elfa.
- Você às vezes tem uma impressão que tem alguém te seguindo? - Me perguntou ela.
- Só na sexta série, quando fui alvo de bullyng. Por quê, você sente isso?
- Sinto, e não são poucas as vezes. Por isso que nem gosto muito de sair lá da nossa casa.
- Ah, acho que isso pode ser normal visto que você é tão bonita...devem ser só garotos.
- É, pode ser...
- Ariel, posso te fazer uma pergunta?
- Claro.
- Por que veio para essa faculdade? Você é tão inteligente, podia ter ido para outras muito melhores.
- Você guarda segredos?
Assenti.
- Estou me escondendo. Tem gente querendo me matar. - Disse ela, olhando sobre o ombro como fazia com frequência. - Além disso eu não posso te explicar por quê.
Depois desse dia ela só saía acompanhada comigo. Não sei no que que ela via em mim para eu protejer uma elfa de seja lá o que fosse, mas ficava feliz em ser útil de verdade para alguém. Ela então nunca ia à festas nem confraternizações; O máximo de tempo que ficava fora de casa era na biblioteca. Depois do que se pareceu um mês mais ou menos eu, Bárbara e Ariel estávamos indo à noite para o refeitório pegar nem lembro o quê quando empurraram a gente para dentro de casa com força e desligaram a luz central. Vi apenas um corpo masculino, e a luz do luar iluminava sua lâmina hostil. Levei por instinto Bárbara para trás do sofá e, ela com a mão na boca para não ser ouvida, ficou lá. Ela tentou me impedir, mas eu saí do ambiente aparentemente seguro e quando dei por mim nem Ariel nem o homem estavam lá. Ele sussurrava uma língua estranha, mas não era a dos elfos. Ele deveria ser um exterminador ou algo assim.
  Ouvi um baque e ele gemeu, indo ao chão meio agachado. Comecei a ver as coisas de forma mais nítida (o que é normal, a adrenalina faz isso mesmo) e vi que o homem não era exatamente humano. A cabeça dele era menor do que o normal, e o corpo era meio...não era um corpo, entende?
 - Há três grandes falhas quando se vai matar alguém. - Disse ela em linguagem élfica, que eu já sabia muito bem. - Número um: Seguir a vítima por trás. Todo mundo é acostumado a andar na rua e olhar para trás.
 Um zumbido de flecha, e o homem gritou e sibilou de raiva ao mesmo tempo. Quando ela começou a falar, sua voz já estava vindo de outra direção: do teto:
- Número dois: atacar num abiente conhecido pela vítima. Essa é clássica.
Ouvi seu corpo se esquivar do dele, e após uma luta breve de socos ela disse:
- A terceira é: Nunca dê as costas para o inimigo. Você nunca sabe quando o jogo vai virar, afinal a morte não tem caminho traçado.
Mais um zumbido, só que ela errou o alvo. Ele não pronunciou nenhum barulho.
- Você se esqueceu do quarto, Jaheuim. - Disse ele andando em direção a ela. - Respiração. Enquanto você fala sua respiração falha, e te deixa mais fraca. - E foi aí que ele tentou atingi-la, e os dois foram ao chão. Quando eu ia pular no pescoço dele as luzes acenderam, e a única coisa que eu vi foi um arco e flecha feito por mão élfica. Ela tinha deixado para mim e eu sabia que aquilo significava que ela nunca mais ia voltar.

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