Ocean's noise
(Laís Moura e Bárbara Suzart)
Estava tudo completamente organizado - eu contava os dias desde o início do ano - e ignorando os alertas da minha mãe que parafina estraga o cabelo, eu decidi competir. Sim, surfar para mim era prioridade. Algumas pessoas rezam, outras oram, outras fazem promessas...
...Eu pego uma onda.
- Luíza, eu tava querendo te avisar que no dia 27 vou comemorar meu aniversário lá em casa. Sabe, uma coisa entre os mais íntimos. - Disse meu namorado por telefone.
- Gustavo, dia 27 é a competição.
- Mas Lu...é meu aniversário de 18 anos. E vai ser de noite.
- Mas eu nem sei que horas termina...você sabe como é importante. Não me faça escolher.
- E se eu te fizesse?
Prendi a respiração. Ele nunca entendia, ninguém nunca entendia. Mas eu pouco me importo, por que sei que a coisa principal me entende: o oceano e seus mistérios. E foi aí, nesse telefonema, que meu carma para não-competir-no-campeonato-mundial-que-eu-fui-chamada-por-correpondência começou.
- Filha. - Disse minha mãe, sentando-se na beirada da cama enquanto eu resmungava por ela ter me acordado - Você está na recuperação.
- Ah tá.
- Você está no segundo ano. Você nunca ficou na recuperação.
- Legal. Fecha a cortina.
- Você não está entendendo. Você está de castigo - não vai para o campeonato.
Ri de escárneo. Até parece que ela ia me impedir disso.
- Sei o quanto é importante, mas não temos dinheiro para pagar os dois. Foram 3 matérias.
- Não pague a aula. Pague só a prova.
Ela estalou os dentes e, trincando a mandíbula saiu do quarto. Ela sempre se esquece de que nunca vai me convencer de nada. Me dava pena às vezes...
X
Saí nos dois dias anteriores do compeonato pela madrugada com a prancha debaixo do braço e com uma maçã na boca, pronta para treinar. Atravessei a avenida e desci uns degraus e tcharam: lá estava eu na praia. Tinha isso de vantagem dos meus concorrentes: era a única que tinha a praia na frente de minha casa, e não poderia deixar isso passar em branco.
Depois de enfrentar ondas relativamente grandes, sentei na prancha e fiquei filososando enquanto a água do mar me levava. Até que eu vi o reflexo de um peixe grande e cinza.
- Droga... um tubarão!
Comecei a remar para a areia da praia, mas ele nadava rapidamente. Ele iria me alcançar. De tanto nervosismo, escorreguei na pracha e caí, fechando meus olhos. Já era tarde demais. Era impossível pensar em outra coisa a não ser morrer sofrendo dores de um tubarão me devorando. Imaginei que realmente não era pra essa competição acontecer (mas me repreendi, mesmo estando perto de virar jantar).
" O que minha mãe vai pensar de mim agora? O que Gustavo fará quando ficar ciente da minha morte? Como será a vida deles agora? Vou perder a competição... "
Foi aí que eu percebi que durante esse tempo que eu estava imaginando nos momentos bons e ruins que poderiam acontecer, o tubarão já deveria ter me esquartejado; E então abri os olhos e me deparei com um golfinho. Suspirei, rindo.
- E aí, garotão? - Disse, subindo na prancha - Você me deu um susto, sabia?
Ele ganiu alto e começou a rodar freneticamente, me chamando para brincar. Voltei para a margem da praia depois de pegar uma onda, e ao ver meu celular que tinha deixado na areia, havia 37 chamadas perdidas. Minha intuição falou alto, e pegando minhas coisas desatei a correr, indo pra minha casa.
- Ah, graças a Deus - Disse minha mãe. - É Catarina, Luíza. Ela está no hospital.
X
- COMO ASSIM?! - gritei, indignada - Doutor... Ela. Vai. Ter. Que. Ficar. Internada. Durante. UMA SEMANA?! Minha competição de surf é depois de amanhã e ela TEM que ir comigo!
- Perdão, não posso fazer nada. O ferimento foi profundo.
Sentei no banco, abaixando a cabeça, pensando em alguma coisa para sair dessa. Ir para competição sem a Catarina era a mesma coisa que dar um show sem a platéia. Foi ela quem me inscrevera na competição, quem me incentivou a ir, participou da maioria dos meus treinamentos... Seria extremamente importamente que ela fosse. Durante um simples momento, decidira não ir à competição, mas mudei de idéia. Não cheguei tão longe pra depois voltar.
Então eu fui, e para minha sorte, começou a chover logo no dia da competição. Os coqueiros entortavam de tanto sofrerem da forte ventania; E ao contrário do que eu pensava, as ondas não estariam perfeitas num dia ensolarado de dezembro, mas sim estavam completamente fortes, deformadas e quebradiças.
- Estamos aqui na oitava competição mundial de surf feminino! - dizia o narrador da competição, cuja voz era igual a do locutor das propagandas da Sessão da Tarde.
Sessão da Tarde me lembrou o horário que eu sempre comia, e foi aí que ouvi os roncos na minha barriga. Abri minha mochila e, droga! Esquecera minha carteira na mesa da sala. Não conseguia me concentrar em absolutamente em nada quando estou com fome. Me agachei na areia, alisando minha barriga. Depois de 10 segundos concentrada, olhei para frente e me deparei com um supermercado.
Não pensei nem uma vez.
X
- EI, SUA LADRA, VOLTA AQUI! - reclamava o cara da caixa.
A adrenalina me ajudou a correr muito mais rápido. Me escondi em um asbusto e fiquei lá, encolhida - para que não me acharem - comendo o salgadinho.
Sim: eu tinha roubado um salgadinho. Como poderia eu, na competição mais importante da minha fuleira carreira de surfista (aquela era a primeira, e a mais assustadora que as surfistas viam) surfar com fome? Não teria força nem para remar, quanto mais subir na prancha...
Ok.Ok., foi errado. Mas que escolha eu tinha?
- Luíza Sales. Por gentileza, se encaminhe ao mar. Você será a próxima.
"Opa" - Pensei com meus botões. - " É agora ou nunca. Sem replay, sem câmera. Carpie Diem ".
A chuva incessante impedia que eu visse outra coisa além de uma mancha cinza e movimentada. Minha prancha tremia debaixo do meu braço, e a adrenalina fez com que ela parecesse dez vezes mais pesada. Dando uma corridinha de leve, joguei-me ao relento, e quando estava remando uma onda veio...
... Bem maior do que eu esperava.
Era aquela então a chance de vencer, por que não haviam ondas tão altas por ali (e com certeza meus concorrentes iriam demorar para ver uma próxima daquela) mas isso SE eu conseguisse surfar nela.
- Vamos, linda. Faz um favor para sua mamãe. - E com um salto fiquei em pé. Arranhei meus dedos na água cortante que fazia uma onda em cima da minha cabeça, e acenando pro público esqueci que a onda um dia ia cair (maldita gravidade) e, quando me lembrei, já estava engolindo litros de água. Quando fui alcançar a margem vi a prancha vindo a toda na minha direção...
E então apaguei depois de uma dor aguda.
X
- Hi. - Disse o salva vidas, que eu sem sucesso tentava focalizar. - Are you ok?
Pensei: por que ele está falando inglês? Ah, é mesmo, eu estou na América do Norte no campeonato mais importante da minha vida e...
- Eu..melhor agora. - Respondi.
Pense agora num cara lindo. Multiplique por 10: lá estava um na minha frente.
E de repente tudo valeu muito a pena.
Estava tudo completamente organizado - eu contava os dias desde o início do ano - e ignorando os alertas da minha mãe que parafina estraga o cabelo, eu decidi competir. Sim, surfar para mim era prioridade. Algumas pessoas rezam, outras oram, outras fazem promessas...
...Eu pego uma onda.
- Luíza, eu tava querendo te avisar que no dia 27 vou comemorar meu aniversário lá em casa. Sabe, uma coisa entre os mais íntimos. - Disse meu namorado por telefone.
- Gustavo, dia 27 é a competição.
- Mas Lu...é meu aniversário de 18 anos. E vai ser de noite.
- Mas eu nem sei que horas termina...você sabe como é importante. Não me faça escolher.
- E se eu te fizesse?
Prendi a respiração. Ele nunca entendia, ninguém nunca entendia. Mas eu pouco me importo, por que sei que a coisa principal me entende: o oceano e seus mistérios. E foi aí, nesse telefonema, que meu carma para não-competir-no-campeonato-mundial-que-eu-fui-chamada-por-correpondência começou.
- Filha. - Disse minha mãe, sentando-se na beirada da cama enquanto eu resmungava por ela ter me acordado - Você está na recuperação.
- Ah tá.
- Você está no segundo ano. Você nunca ficou na recuperação.
- Legal. Fecha a cortina.
- Você não está entendendo. Você está de castigo - não vai para o campeonato.
Ri de escárneo. Até parece que ela ia me impedir disso.
- Sei o quanto é importante, mas não temos dinheiro para pagar os dois. Foram 3 matérias.
- Não pague a aula. Pague só a prova.
Ela estalou os dentes e, trincando a mandíbula saiu do quarto. Ela sempre se esquece de que nunca vai me convencer de nada. Me dava pena às vezes...
X
Saí nos dois dias anteriores do compeonato pela madrugada com a prancha debaixo do braço e com uma maçã na boca, pronta para treinar. Atravessei a avenida e desci uns degraus e tcharam: lá estava eu na praia. Tinha isso de vantagem dos meus concorrentes: era a única que tinha a praia na frente de minha casa, e não poderia deixar isso passar em branco.
Depois de enfrentar ondas relativamente grandes, sentei na prancha e fiquei filososando enquanto a água do mar me levava. Até que eu vi o reflexo de um peixe grande e cinza.
- Droga... um tubarão!
Comecei a remar para a areia da praia, mas ele nadava rapidamente. Ele iria me alcançar. De tanto nervosismo, escorreguei na pracha e caí, fechando meus olhos. Já era tarde demais. Era impossível pensar em outra coisa a não ser morrer sofrendo dores de um tubarão me devorando. Imaginei que realmente não era pra essa competição acontecer (mas me repreendi, mesmo estando perto de virar jantar).
" O que minha mãe vai pensar de mim agora? O que Gustavo fará quando ficar ciente da minha morte? Como será a vida deles agora? Vou perder a competição... "
Foi aí que eu percebi que durante esse tempo que eu estava imaginando nos momentos bons e ruins que poderiam acontecer, o tubarão já deveria ter me esquartejado; E então abri os olhos e me deparei com um golfinho. Suspirei, rindo.
- E aí, garotão? - Disse, subindo na prancha - Você me deu um susto, sabia?
Ele ganiu alto e começou a rodar freneticamente, me chamando para brincar. Voltei para a margem da praia depois de pegar uma onda, e ao ver meu celular que tinha deixado na areia, havia 37 chamadas perdidas. Minha intuição falou alto, e pegando minhas coisas desatei a correr, indo pra minha casa.
- Ah, graças a Deus - Disse minha mãe. - É Catarina, Luíza. Ela está no hospital.
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- COMO ASSIM?! - gritei, indignada - Doutor... Ela. Vai. Ter. Que. Ficar. Internada. Durante. UMA SEMANA?! Minha competição de surf é depois de amanhã e ela TEM que ir comigo!
- Perdão, não posso fazer nada. O ferimento foi profundo.
Sentei no banco, abaixando a cabeça, pensando em alguma coisa para sair dessa. Ir para competição sem a Catarina era a mesma coisa que dar um show sem a platéia. Foi ela quem me inscrevera na competição, quem me incentivou a ir, participou da maioria dos meus treinamentos... Seria extremamente importamente que ela fosse. Durante um simples momento, decidira não ir à competição, mas mudei de idéia. Não cheguei tão longe pra depois voltar.
Então eu fui, e para minha sorte, começou a chover logo no dia da competição. Os coqueiros entortavam de tanto sofrerem da forte ventania; E ao contrário do que eu pensava, as ondas não estariam perfeitas num dia ensolarado de dezembro, mas sim estavam completamente fortes, deformadas e quebradiças.
- Estamos aqui na oitava competição mundial de surf feminino! - dizia o narrador da competição, cuja voz era igual a do locutor das propagandas da Sessão da Tarde.
Sessão da Tarde me lembrou o horário que eu sempre comia, e foi aí que ouvi os roncos na minha barriga. Abri minha mochila e, droga! Esquecera minha carteira na mesa da sala. Não conseguia me concentrar em absolutamente em nada quando estou com fome. Me agachei na areia, alisando minha barriga. Depois de 10 segundos concentrada, olhei para frente e me deparei com um supermercado.
Não pensei nem uma vez.
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- EI, SUA LADRA, VOLTA AQUI! - reclamava o cara da caixa.
A adrenalina me ajudou a correr muito mais rápido. Me escondi em um asbusto e fiquei lá, encolhida - para que não me acharem - comendo o salgadinho.
Sim: eu tinha roubado um salgadinho. Como poderia eu, na competição mais importante da minha fuleira carreira de surfista (aquela era a primeira, e a mais assustadora que as surfistas viam) surfar com fome? Não teria força nem para remar, quanto mais subir na prancha...
Ok.Ok., foi errado. Mas que escolha eu tinha?
- Luíza Sales. Por gentileza, se encaminhe ao mar. Você será a próxima.
"Opa" - Pensei com meus botões. - " É agora ou nunca. Sem replay, sem câmera. Carpie Diem ".
A chuva incessante impedia que eu visse outra coisa além de uma mancha cinza e movimentada. Minha prancha tremia debaixo do meu braço, e a adrenalina fez com que ela parecesse dez vezes mais pesada. Dando uma corridinha de leve, joguei-me ao relento, e quando estava remando uma onda veio...
... Bem maior do que eu esperava.
Era aquela então a chance de vencer, por que não haviam ondas tão altas por ali (e com certeza meus concorrentes iriam demorar para ver uma próxima daquela) mas isso SE eu conseguisse surfar nela.
- Vamos, linda. Faz um favor para sua mamãe. - E com um salto fiquei em pé. Arranhei meus dedos na água cortante que fazia uma onda em cima da minha cabeça, e acenando pro público esqueci que a onda um dia ia cair (maldita gravidade) e, quando me lembrei, já estava engolindo litros de água. Quando fui alcançar a margem vi a prancha vindo a toda na minha direção...
E então apaguei depois de uma dor aguda.
X
- Hi. - Disse o salva vidas, que eu sem sucesso tentava focalizar. - Are you ok?
Pensei: por que ele está falando inglês? Ah, é mesmo, eu estou na América do Norte no campeonato mais importante da minha vida e...
- Eu..melhor agora. - Respondi.
Pense agora num cara lindo. Multiplique por 10: lá estava um na minha frente.
E de repente tudo valeu muito a pena.
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