Instabilidade
(Laís Moura)
Olhava por osmose o cadeado enferrujado à minha frente. A única luz que iluminava minha cela desgastada era uma doente e psicótica amarela, vindo de uma vela não visível. Eu estava longe, muito longe, e o chão gélido praticamente gritava essa informação toda vez que eu pisava nele. Naquele andar da prisão só estava eu, e o silêncio - este era o pior - inundava tudo que eu respirava. O chão imundo da sala era visitado por um ratinho branco de olho vermelho magricela, que por vezes mechia no pão dormido que eu não conseguia ingerir.
Entrei aos 14. Naquela época ninguém respeitava a lei dos menores, e eu sem culpa alguma fui resignada à ficar presa durante 3 anos. Sem julgamento, sem finanças, sem ninguém. Não fiquei maluca (como a maioria das pessoas ficaria), mas eu não sentia gosto pela vida (poderia eu chamar aquilo de vida?) nem por nada que poderia me ofertar quando fosse embora.
E lá estava eu. Num trem barulhento, maltrapilha, olhando em volta procurando por meus pais entre os vários passageiros. Minha mãe olhou para mim, e demorou a me reconhecer; Caminhei vacilante, e desabando em seus braços, me desatei à chorar aquecida pela multidão à minha volta que entre si davam palestrinhas.
Liberdade. O que poderia me oferecer?
- Me escute. - Disse minha mãe. - Você não vai poder ir para a casa agora. Vou te deixar na casa de sua tia enquanto eu arranjo uns documentos tá?
Assenti. Qualquer lugar era melhor do que aquela escuridão hostilizada.
Cheguei meio sonolenta à casa de praia ensolorada, e andando bem devagar visualizei quatro pessoas: uma delas era minha melhor amiga, Bárbara, que sorridente veio até a mim me deu um abraço urso. Logo atrás estavam dois garotos, que beiravam os 17/18 anos (um deles era um índio) e uma garota um pouco gordinha, flexível e com longos cabelos castanhos encaracolados nas pontas.
- Meu nome é Atheos. - Disse o indígena. - Seja bem-vinda.
Joguei-me no sofá e enfiando os dedos entre os cabelos chorei mais uma vez, pois eu desconfiava que nunca mais eu viveria. Nunca mais...
Os dias passaram mais rápidos do que o normal, e minha pele pálida foi trocada por uma bronzeada e firme. Eu sorri pela primeira vez numa partida de handeboll,e lá pelo início da segunda semana minha tia (que já era um pouco velhinha) reuniu-nos nos sofás e falou:
- Escrevam uma carta agora para alguém que vocês tenham que se desculpar ou se aproximar mais. Se quizerem podem escrever outra de agradecimento ou frazes descontraídas.
Quando peguei uma caneta meu olhar ficou embaçado, e chorando feito um bebê eu disse:
- Eu acho que jamais poderei agradecer pela hospitalidade de vocês...quando eu não tinha nenhum lugar para ir...
Minha tia sorriu de uma forma reconfortante, e passando o braço em volta do meu ombro Atheos disse:
- Não precisa chorar, ei.
Apoiei minha cabeça em seu ombro e adormeci de pura exaustão. Acordei com o sol dando as boas vindas e carregando minhas convicções falhas me levantei, deixando metade daquele peso em alguma cela escondida.
X
Olhava por osmose o cadeado enferrujado à minha frente. A única luz que iluminava minha cela desgastada era uma doente e psicótica amarela, vindo de uma vela não visível. Eu estava longe, muito longe, e o chão gélido praticamente gritava essa informação toda vez que eu pisava nele. Naquele andar da prisão só estava eu, e o silêncio - este era o pior - inundava tudo que eu respirava. O chão imundo da sala era visitado por um ratinho branco de olho vermelho magricela, que por vezes mechia no pão dormido que eu não conseguia ingerir.
Entrei aos 14. Naquela época ninguém respeitava a lei dos menores, e eu sem culpa alguma fui resignada à ficar presa durante 3 anos. Sem julgamento, sem finanças, sem ninguém. Não fiquei maluca (como a maioria das pessoas ficaria), mas eu não sentia gosto pela vida (poderia eu chamar aquilo de vida?) nem por nada que poderia me ofertar quando fosse embora.
E lá estava eu. Num trem barulhento, maltrapilha, olhando em volta procurando por meus pais entre os vários passageiros. Minha mãe olhou para mim, e demorou a me reconhecer; Caminhei vacilante, e desabando em seus braços, me desatei à chorar aquecida pela multidão à minha volta que entre si davam palestrinhas.
Liberdade. O que poderia me oferecer?
- Me escute. - Disse minha mãe. - Você não vai poder ir para a casa agora. Vou te deixar na casa de sua tia enquanto eu arranjo uns documentos tá?
Assenti. Qualquer lugar era melhor do que aquela escuridão hostilizada.
Cheguei meio sonolenta à casa de praia ensolorada, e andando bem devagar visualizei quatro pessoas: uma delas era minha melhor amiga, Bárbara, que sorridente veio até a mim me deu um abraço urso. Logo atrás estavam dois garotos, que beiravam os 17/18 anos (um deles era um índio) e uma garota um pouco gordinha, flexível e com longos cabelos castanhos encaracolados nas pontas.
- Meu nome é Atheos. - Disse o indígena. - Seja bem-vinda.
Joguei-me no sofá e enfiando os dedos entre os cabelos chorei mais uma vez, pois eu desconfiava que nunca mais eu viveria. Nunca mais...
Os dias passaram mais rápidos do que o normal, e minha pele pálida foi trocada por uma bronzeada e firme. Eu sorri pela primeira vez numa partida de handeboll,e lá pelo início da segunda semana minha tia (que já era um pouco velhinha) reuniu-nos nos sofás e falou:
- Escrevam uma carta agora para alguém que vocês tenham que se desculpar ou se aproximar mais. Se quizerem podem escrever outra de agradecimento ou frazes descontraídas.
Quando peguei uma caneta meu olhar ficou embaçado, e chorando feito um bebê eu disse:
- Eu acho que jamais poderei agradecer pela hospitalidade de vocês...quando eu não tinha nenhum lugar para ir...
Minha tia sorriu de uma forma reconfortante, e passando o braço em volta do meu ombro Atheos disse:
- Não precisa chorar, ei.
Apoiei minha cabeça em seu ombro e adormeci de pura exaustão. Acordei com o sol dando as boas vindas e carregando minhas convicções falhas me levantei, deixando metade daquele peso em alguma cela escondida.
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