Pelo bem da humanidade

(Bárbara Suzart e Laís Moura)


 - Júri, como declaram o réu?

 Não lembro bem por onde começou. Só me lembro no dia em minha pediu divórcio.
 Quer, ex-mulher.
 - EU NÃO AGUENTO MAIS O SEU TRABALHO! - exclamou ela. - E ainda agora você ainda ter que morar com essa velha! Quanto tempo você acha que vai ficar longe de mim? Sabe bem como esses negócios são demorados! Ainda mais ver você morando com outra...
 - Mas ela é uma velha!
 - NÃO INTERESSA! TEM MUITA VELHA SAFADA POR AÍ!
 Sentei na cama, exausto pela conversa. Ela puxou o cigarro e murmurou:
 - Quero divórcio.
 Olhei pra ela, desesperado.
 - Não faça isso! Não vai durar muito tempo! Eu te prometo...
 - Quero divórcio. - repetiu, com o rosto vazio e frio, suspirando aliviadamente.
 Assenti e saí de lá, voltando pro trabalho. Havia uma velha como testemunha de um assassinato (cujo foi causado por uma briguinha de máfia de armas). Eu nem sabia ao certo quanto tempo iria acobertar sua segurança, e para meu destino sórdito durou muito mais do que eu imaginava.

X

 Meu problema é ser honesto.
 Todo dia (sem exageros) aquela velha sentava na minha cama e, ligando minha televisão e deixando um leve cheiro de urina em meus lençóis falava:
 - Mas essas tecnologia toda de hoje, hein?! Quem diria! Imagem colorida...
 De início era engraçadinho, mas como se não bastasse aquela ignorância tecnológica, sua ignorância policial era a que ela mais gostava. Ela acordava fazendo perguntas, tomava banho fazendo perguntas (ela berrava lá de dentro para eu conseguir ouvir) e, não satisfeita, me acordava de madrugada fazendo perguntas. Meu consumo de café aumentou em 70% e, criando olheiras e dormindo no escritório lá estava eu, com 40 anos, cuidando da ignorância de rugas e pele flácida. Venhamos e convenhamos que idosos costumam ser tagarelas, mas AQUELA mulher consegue matar de estresse até mesmo uma mosca.
 Eu tenho a prova! Botei uma câmera no meu quarto e deixei no modo filmar pelas duas primeiras horas (ela deveria pensar que aquilo não passava de um vaso de flores) e, sem surpresa, vi que ela passou as duas horas INTEIRAS conversando com meu controle remoto, chamando-o de coisa. Passou uma, duas semanas e parecia que quanto mais eu respondia, mas aquele ser não identificado fazia perguntas. Até que lá pelo início da terceira semana ela perguntou:
 - Minhas perguntas o incomodam?
 Nem pensei duas vezes:
 - Mais do que você imagina.
 Ela ajeitou um fiapo de cabelo grisalho e perguntou:
 - Então quer fazer amor comigo?
 - Minha mulher pediu divórcio por sua causa.
 - Mais um motivo pra você fazer amor comigo.
 O que você diria? Aquela mulher resumiu minhas semanas em lástimas e resmungos. Não podia pedir demissão, e por causa disso sossego não passava de um substantivo enterrado no baú do passado, e eu tinha mais surtos de estresse do que tivera na minha adolescência.
 Aquela mulher, descobri, era o capeta em pessoa.
 - É o meu aniversário hoje! - comentou ela. - Não vai cantar parabéns?
 Senti o meu sangue subir pra cabeça, e sacando a arma da minha calça jeans cantei:
 - Chegou a hora de apagar a VELHINHA...
 Um disparo, e AH! Nunca pensei que ficaria tão bonita coberta de vermelho.

X

 Entendam: fiz o que fiz pelo bem do planeta. Nunca mais ouvi o cheiro de urina, e o silêncio (este em primeiro lugar) foi reinado no meu apartamento de quarto e sala. O que fiz foi errado, mas me digam vocês, pra que diabos aquela velha serviria para a sociedade? Respondo: nada. Então, lá estava eu (logicamente contra a minha vontade) sob julgamento, e as pessoas agora me olham como se eu fosse um assassino homicida. O que elas não sabem é que, na verdade, eu trabalho a favor da paz. Agora uma pergunta que não quer calar:

 E vocês, júri, como declaram o réu?

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