Ela

( Laís Moura)

Ela salvou minha vida.

Início de ano. Férias (para alguns, não para mim que fazia um curso) e cheiro de terra seca. Andei despreocupadamente até minha respectiva poltrona de cinema, e o filme deu início.
Devo relembrar que estamos falando do Brasil. Sabe, sem tisuname, sem furacão nem bomba atômica (Pelo menos por enquanto). Eu não sei o que fazia naquela sessão, afinal odiava o filme (já tinha assistido antes) e estava bem perto de matar alguém. Eu tinha raiva, muita raiva; como tinham o direito de roubar a vida da minha irmã? Ela tinha sonhos...
Uma risada fez-me interromper meus pensamentos, mas voltei a afundar neles. A coisa mais inútil que se pode fazer é recusar a dor antes de abraçá-la.
" Heey, Josh, look at me!"
Ela nunca aprendera meu nome, João. Nem de jonh ela me chamava, mas sim de Josh (não deu tempo de perguntá-la por quê). Era uma adolescente cheia de vida, irmã parte de pai, e raramente via ela pessoalmente. Aprendi inglês com ela quando criança ainda, e acompanhei sua vida o quanto pude por Skype.
Ela foi assassinada. Me perguntava por quê, mas depois não me interessava. Tudo o que eu snetia era raiva, raiva e raiva. Meus amigos se afastaram de mim, repeti o ano no colegial, parei de ir em festas, me afundei em romances. Eles ocupavam minha mente.
Eu estava em depressão, sabia disso. Mas não ia sair dela, não queria sair dela. Parecia tão doce. Tudo que eu vivia era rotina, não observava mais nada, só era uma máquina que respirava e se alimentava quando estava com muita fome - o que não estava acontecendo com a devida frequência. Minha mãe não sabia mais o que fazer, meu pai tão pouco - afinal, só fazia uma semana desde sua morte, e eles achavam que eu estava de luto.
 Mas não era só isso. Nunca foi só isso.
 Foi aí que vi que precisava pelo menos fingir que estava bem, se queria menos atenção para mim. Falei que ia ao cinema e percebi o lábio de minha mãe se repuxando em um sorriso.
O filme começou então. Meu corpo estava parecido com uma gelatina, e as cenas sérias e/ou tristes me faziam lembrar de Rosie. A cor vermelha fazia lembrar dela, adolescentes me faziam lembrar dela. Eu tinha 19 anos e passava as vezes horas olhando para garotas. Isso me acalmava e iludia meu psicológico cansado.
Mas naquele dia eu não estava mais com saco para ilusões.
Uma menina estranha do meu colégio então sentou-se na cadeira ao meu lado, e com os olhos arregalados e ombros encolhidos me beijou. Fiquei mais louco de raiva ainda. Quem ela pensava que era? Ela ficou visivelmente insatisfeita, e me puxou com toda a força para fora do banco. Minha fila de assentos estava vazia, e a sessão não deveria ter mais do que 25 pessoas. Assim que levantei à força, meu assento explodiu.
Eu ia ser assassinado.
Um cheiro de queimado invadiu a sala inteira, e as luzes se acenderam enquanto os bombeiros desciam pelo teto. Olhei para ela. Vestida com um jeito gótico (como de praxe), ela observava dois pontos fixos atrás da minha cadeira. Ela acompanhou os pontos com o olhar, mas eu não via absolutamente nada.
Me encostou na parede e me abraçou como nunca fui abraçado antes. Senti todo seu amor ser transmitido por seus poros e exalando em minha volta, e me senti pela primeira vez naquela semana relaxado. Comecei a chorar baixinho e ela me abraçou com mais carinho ainda. Senti o peso do mundo sair das minhas costas, e ela se afastou ficando de frente para mim. Tirou a mecha de cabelo do olho e me olhou com advertência e disse:
 - Cuidado com seus sentimentos, João. Eles atraem muita coisa.
E foi embora, não sem antes dar uma verificada em mim sobre seu ombro direito nu.

Ela salvou minha vida.

Comentários

Rodrigo Vellame disse…
Muito bom Laís
Continue escrevendo...
Ainda vou acabar de ler seu livro! hahahaha
Beijo

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