O jogo do copo - Parte final

(Bárbara Suzart e Laís Moura)
Obs.: É recomendável ler antes os contos "O jogo do copo" e "O jogo do copo - Parte 2".

 Terrível imaginar vendo os outros morrendo. Já bastava os que já faleceram, e todos bem na minha frente.
 Eu e Alice subimos as escadas depressa, e assustadas. Chegando ao térreo, respiramos fundo, estávamos cansadas.
 - Abra o diário, temos que lê-lo. - ordenei.
 - Sim.
 Antes de abrí-lo, Alice alisou o diário levemente, colocando seus delicados dedos na capa.

 "Sexta-feira, 22 de setembro de 2009, no quarto.
 
  Não aguento mais, cara, NÃO AGUENTO MAIS! Por que será que todo mundo me chama de bocó? Não sou tão idiota assim... Digo, às vezes falo algumas besteiras, sou sorridente e tem vezes que sou meio besta. Agora pra quê criarem um apelido SÓ por causa dessas mínimas vezes?! Fala sério, acho a vida tão injusta...
  Por que será que não consigo me apaixonar por ninguém? Será que acho os meninos tão... infantis? Não, medo de sofrer? Quem sabe. Agora vou te dizer uma coisa: eu vivo me arrependendo de tudo que faço, falo e deixo de fazer. E depois? Fico aqui, filosofando... E desabafando nesse diário idiota. O que um simples diário ajuda? Em absolutamente NADA! Sempre eu... Sempre eu...
  O.k., eu entendo. É tudo comigo mesmo. Sempre eu a excluída de tudo. Sempre eu a menina que é pirraçada até pelos amigos e TEM que relevar, pois eles nunca pedem desculpas. Sempre eu a teimosa e imatura. Sempre eu a menina que nunca sabe de nada, que sempre erra, que sempre tem que aprender. Sempre eu, tudo bem.
  Mas tá tudo bem, vou seguir em frente. Também, o que fazer uma menina que não faz nada da vida, que mora nessa casa no meio dessa floresta amazônica? É horrível. Não sou medrosa, mas não queria ficar sozinha... Não mesmo. Sempre tento me aproximar de muita gente, mas ninguém gosta de mim... Só porque sou um espírito... Se ninguém gosta de mim, eu tento fazer eles gostarem de mim... Mas alguns são muito malvados, sabe! Eles me mandam ir embora e fazem cara feia... Isso não é justo!
  Odeio essa vida! Às vezes, eu sinto vontade de me matar. Mas me matar? Não, vamos ser justos, quero matar os que me fazem mal, os maus. Eles sim merecem morrer. Mas tem gente que nem faz o mal, mas fazem coisas que acham que estão certas, mas estão erradas. Tem gente que é manipulada pelos outros para fazer algo que não quer. Merece morrer. Tem gente que quer a morte o mais depressa possível. Merece morrer. Tem gente que quer arriscar a vida para tentar salvar a pessoa amada. HÁ! Merece morrer. Tem gente que até salva alguém com a alma pura. Bonito da parte dela, mas também merece morrer.
  Dentre essas e várias outras, que fazem coisas ruins, merecem morrer. E morrer de maneira bem macabra. E eu adoro fazer isso. E eu mereço morrer por querer matar pessoas? Não, aliás, já estou morta mesmo.

  Adeus, Bocó!"

 - Meu Deus... Isso foi meio... Esquisito. - falei, tremendo.
 Então Alice me olhou com uma cara espantada, querendo dizer alguma coisa. Algo estava estranho. O que o espírito escrevera era estranho. Praticamente tudo o que o espírito falou tinha a ver comigo. São coisas que eu penso. São os meus pensamentos.
 Subi para um dos quartos e deitei na cama, fazendo-a tremer. Apertava o veludo da capa do diário intensamente, incapaz de me lembrar da última vez que eu ri. Meus pensamentos se confundiam entre o passado e o presente, e tive certeza de que aquela casa tirara a sanidade de todos nós. Entreguei-me à loucura, e fechando os olhos, tive um sonho estranho.
 Sonhei que observava uma menina andar num parquinho solitária, e de quando em quando, alisar seus longos cabelos negros. Uma mulher se aproximou, e retraída, ela se encolheu de medo.
 - Sua meretriz ingrata, como ousa fazer isso comigo?
 E enchendo-a de pancadas, matou-a.
 Quis socorrê-la, mas minhas pernas não atendiam. Vi o espírito da menina levantar e andar em direção à sua casa. Tudo ficou preto, e na minha mente, apareceu a data "1931."
 A data que Bocó morreu.
 De repente, me vi em outro ambiente, dentro de um carro. Pai e mãe na frente, duas crianças atrás. Uma delas tinha 7 anos, outra cerca de 10.
 Elas estavam indo acampar, mas pararam na frente de uma casa para buscar informações. A mesma casa de Bocó. A mesma casa em que eu estava deitada.
 O espírito entrou no menino, e este matou todos da sua família.
 - Não aceito visitas sem antes ser comunicada, Sabrina.
 - Vá embora. Você já matou muitos de nós.
 - Eu não. Você."
 Acordei suando frio, ouvindo Alice me chamar.
 - O que foi?
 - Vamos acabar logo com isso. - Gritou ela lá de baixo. - Venha rápido para cá.
 E lá fui eu, tremendo de medo de mim mesma.
 Chegando lá, vi todos os sobreviventes presentes, mas consegui sentir a ausência de duas pessoas.
 - Onde estão o Bernardo e a Lara? - perguntei, olhando diretamente para Alice.
 Alice estava com a face tristonha. Lacrimejava muito. Lacrimejava tanto que não conseguiu nem abrir sua boca. Cauê envolveu seus braços nela, acolhendo e dando-lhe segurança. Ela o abraçou e escondeu seu rosto em seu peito.
 - Nós não os encontramos em lugar nenhum... - lamentava Eric, abaixando sua cabeça.
 Trinquei os dentes, tremendo. Não desejava vê-los mortos de jeito nenhum. Lágrimas atravessavam meu rosto frio e vazio.
 Olhando pra todo mundo naquele momento, não consegui me mover de tanto que tremia. Chorando, aquelas lágrimas escorriam lentamente no meu rosto. Só me fazia sentir cada vez mais culpada de tudo. Será que aquele espírito parecia comigo mesmo? As tantas perguntas que eu fazia rodavam meu pensamento, sem respostas. Ou respostas que não levavam a lugar nenhum. Sentia-me em outro lugar, de repente Alice me chamou.
 - Sabrina, está tudo bem? - disse Alice, com uma voz trêmula.
 Sacudi a cabeça, voltando ao mundo real.
 - Oi? Ah, sim, tá tudo bem sim, eu acho...
 - Bom, é porque eu contei para eles o que havia no diário do espírito, e vi que ele, ou melhor, ela, se parecia muito com você, psicologicamente.
 - É, eu também percebi isso após ler o texto...
 - E veja a data que isso foi escrito: 22 de setembro de 2009. Foi algo meio que recente!
 - MEIO?! Isso não foi nem na semana passada!
 - Mesmo assim, não é algo antigo. Não é uma época em que Bocó aparentava estar vivo, ou viva. Chegamos numa conclusão... - disse Thiago.
 Travei.
 - O espírito, sabe, o Bocó... - começou Eric - Achamos que ele, ela, assim...
 Cauê continuou:
 - Se encarnou em seu corpo quando morreu.
 Demorou cerca de 10 segundos para cair a ficha. O silêncio misterioso, profundo, calmo e tenso tomou conta do momento.
 - A data do diário foi uma data que simplesmente foi recente, uma data de uma escritura na qual foi você quem escreveu. - deduziu Thiago.
 - IMPOSSÍVEL! - rebati - Eu não lembro de escrever nesse diário! Nunca vira esse diário antes! Só vi agora em que eu, Alice e Giovanna o achamos na biblioteca!
 - Foi algo inconsciente. - explicou Eric - O espírito tomou conta quando você escreveu no diário.
 - Na primeira vez que jogamos esse jogo do copo, você participava do jogo com a gente e, ao mesmo tempo, inconscientemente, respondia às nossas perguntas. - continuou Alice.
 - De alguma forma, da qual nós não sabemos, você matou todos nós. Mas não era você, era o Bocó! - falou Cauê, me levando às lágrimas.
 - Sabrina, você sempre foi um espírito! Mas nunca soube disso! O espírito tomava conta do seu corpo e tomava conta dessa casa ao mesmo tempo! Você não se lembra como deu sumiço no Bernardo e na Lara porque foi inconsciente! O Bocó que fez isso, mas no seu corpo! - concluiu Thiago.
 De repente, eu senti uma falta de ar, sangue escorria ardentemente no meu nariz. Comecei a ficar pálida, trêmula. Caí com tudo no chão, morrendo.
 Todos chegaram mais perto de mim, formando uma roda deles. Assustei-os me levantando friamente, sem as pupilas dos meus olhos, encarando-os. Sorri, ironicamente, e estendi minha mão direita, dizendo:
 - Que tal terminarmos nosso joguinho?
 Eles saíram correndo, como se não tivessem mais destino. Como se não fossem para lugar algum, correram, gritando. Mas eu não pedi para eles saírem. A morte deles estava para chegar, estava com data marcada, escrita detalhadamente no meu diário. Mas decidi deixar por ali mesmo. Talvez, se eu ouvisse o conselho da Mônica, nada disso teria acontecido. Talvez, se a Chiara também ouvisse o conselho dela, até hoje, ela não teria ganhado o que sempre quis. E eu tive o favor de dar a ela.
 Nome do espírito, cujo apelido é Bocó?
 Eu.Sabrina Good.
  Fim de jogo.

Comentários

Rodrigo Vellame disse…
Uau! Realmente essa história é assustadora,
Apesar de não acreditar em reencarnação!
Mas a história ficou ótima e teve um final assustador eu diria!
Cada dia que leio suas crônicas. me surpriendo com o talento de vcs!
Bjão;*
Anônimo disse…
Demorou pra sair esse ein !!!

Simplesmente, Fim de Jogo !

By : Roddy
Anônimo disse…
EU TÔ COM MEDO !
Anônimo disse…
Realmente muito bom esse texto, assim como as partes anteriores. Parabéns a vocês duas, principalmente a Bárbara, autora dos dois primeiros textos e co-autora desse último.
Bruno disse…
Muito bom! Adorei! Parabéns Bárbara, você escreve muito bem! ;D

Bruno - 1B

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