Exaustão

(Laís Moura)

 Futuro. Você o planeja, e tem a certeza de que vai ser do jeito que você quer. Sabe provavelmente que pode vir uma coisa ou outra torta, mas nunca nada além do esperado, e daí surgem os traumas e toda aquela pressão psicológica do Jornal Nacional. E, além disso, vem a morte, onde as pessoas choram durante algum tempo e ficam deprimidas, e aí eu paro para me perguntar: Alguém aqui é imortal?

 Sentada na poltrona do avião, não pensava em nada disso. Nunca havia pensado no futuro para falar a verdade, pois me limitava à balada da próxima semana. Afinal, o que uma garota de 16 anos quer além de passar de ano e se divertir? Lia um clássico da literatura estrangeira, Dália Negra, enquanto esperava ansiosa o pouso em São Paulo.
 Turbulência. Normal, é o que acontece quando o avião entra em contato com nuvens ou ar com densidade mais baixa. A questão é: a turbulência não parava. As pessoas começaram a ficar inquietas, e eu fechei meu livro, rezando. Uma aeromoça correu em direção à cabine, e aqueles tubos de oxigênio cairam diante de nossos corpos tensos.
 Menos de 5 segundos, o avião desabou. Frio na barriga e fiquei tonta, meus tímpanos estourando e gritos desesperados. O que é comum, quando a morte vem fazer uma visitinha.
 Pouso em água. As luzes de emergência no chão acenderam, indicando a saída. Arranquei o assento, sentindo minhas pernas pesarem um chumbo, enquanto a água invadia o avião que afundava cada vez mais. Com uma habilidade repentina saí do avião, me infiltrando entre as pessoas, segurando meu último fiapo de oxigênio. Durante o percurso, me desvencilhei de um cadáver (deixando vários outros atrás) e finalmente cheguei à superfície, tossindo que nem meu cachorro com problema de coração. Olhei em volta, aturdida, e vi alguns corpos boiando.
 Eu estava sozinha.
 Ajeitei-me com a bóia (agora ex-assento) e procurei alguma praia mais próxima, por que eu não ia ficar que nem aquela maluca que ficou 10 dias boiando no mar. Não obrigada, eu acreditava em tubarões, e odiava peixes. Parada eu não ia ficar. Enquanto pensava um cara emergiu do fundo do mar, tossindo e roxo, e fui até ele ajudá-lo.
 - Mais alguém? - Perguntou ele depois de tomar fôlego.
 - Não. - Respondi, ainda tremendo com o choque.
 - Estamos no Rio de Janeiro agora.
 - Estúpido, que diferença isso faz?
 - Só estou tentando pensar em algo útil.
 Seus olhos cinzas lacrimejavam, e seu cabelo loiro grudava em seus lábios, que tremiam.
 - Perdeu alguém?
 Ele olhou para mim, os olhos inexpressivos.
 - Temos que nadar à leste. É onde fica a praia. Largue a bóia, não dá para levá-la.
 Obedeci. Nadamos durante 2 horas e paramos para descansar, boiando. Estava escurecendo, e continuamos a nadar. Mais uma hora e meia.
 Cheguei na margem e me arrastei até ficar com o tronco fora do alcance das ondas, e ali fiquei.
 - Vai pegar uma pneumonia. Venha até aqui. - Disse ele enquanto estendia a camisa molhada na árvore.
 - Não consigo me mexer. - Murmurei, já atingindo a exaustão.
 Estalou a língua e me pegou no colo, me levando para mais perto das árvores.
 - Onde estamos?
 - Não sei. Mas aqui não tem habitação nenhuma. Ah, ali. - Apontou ele para a ponta da praia. - Talvez ali exista alguém. Ah sim garota, qual é a sua idade?
 - 16.
 Ele franziu a testa.
 - E você?
 - 28.
 E adormeci antes mesmo de ele fazer a próxima pergunta.
 Acordei num helicóptero do governo, ouvindo-o conversar com o piloto. Meu braço estava engessado, e em 1 hora cheguei à minha cidade natal. Nunca soube o nome do cara que sobreviveu comigo, mas também não procurei saber.
 Ao chegar em casa, desabei no sofá. E, me isolando de todos, me envolvi no mundo dos sonhos.

Comentários

Rodrigo Vellame disse…
Muito bom pessoas!

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