Judias

(Laís Moura)

Eu me via suja, maltratada. Aliás, aquilo não deveria ser eu. Ao meu lado, estavam duas das minhas amigas: Bárbara e Amanda. Estávamos tão cansadas que só de encostar o pé no chão sentíamos uma faca ultrapassando nosso corpo. Senti o sol zombar da minha cara e os pássaros que sobrevoavam nossas cabeças (quem diria!) serem seres superiores.Seres livres. Logo atrás, homens com metralhadoras nos vigiavam. Ouvi minha voz dizer, apesar de minha boca não se abrir:
- Esse não é o início da história. Tem muito mais.
E como se pudesse me teletransportar, de repente me vi num sítio enorme rodeada de centenas de pessoas conhecidas, ambas no mesmo estado de espírito.Ambas mendigando um carinho fingido. Eu, cansada de lutar, aceitei meu papel e resolvi parar de ser eu mesma.
Meu nome?
Refém.
E eu não estava sozinha: Ambos tinham o mesmo nome. Aliás, todos eram iguais em tudo. O que mudava?
O destino.
Naquela manhã, o sol estava mais claro que o normal, e supus ser uma hora da tarde. Ao meu lado, socos e gritos; Não levou nem 5 minutos para meu amigo morrer espancado. Todos se encolheram, e eu fiquei indiferente, afinal, não ocorreu nada que não fosse rotina.
Nada que não fosse inferno.
Me aproximei desse meu amigo, mas um dos vigias foi me empurrando, dizendo:
- Bora, circulando!
E, ao sair cambaleante, ainda ouvi seu último suspiro.
Teria sido assim os campos de concentração?

 Me direcionei a um quiosque, onde todos estavam lá. Em silêncio, só esperando sua vez de morrer. Um amigo antigo meu me olhou com o olhar vazio, desesperado, sofrido. Desviei o olhar, em busca de menos sofrimento.
Sem sucesso.
Foi escurecendo, e todos continuavam reprimidos. Os vigias se aproximaram, e ao olhar em volta, percebi que só havia garotas. Minhas mãos começaram a suar.
- Quem são eles...? - Sussurrou Bárbara.
Percebi então que não eram os vigias. Eram outros caras, com bastões nas mãos e uma roupa toda preta.
- NO CHÃO TODO MUNDO! - Ordenou um deles.
Fizemos isso rapidamente.
- Ei, quem são vocês? - Perguntaram os vigias para eles.
E, eu pensando que eles iam se atacar, fizeram o contrário: ficaram amigos.
- O que vocês pretendem fazer com elas? - Perguntou um dos de bastão.
- AH, apagar, essas vadias não estão sendo úteis para zorra nenhuma!
- Bom, mas eu sei uma forma de elas serem úteis - disse o que mandou a gente se jogar no chão - Elas podem trabalhar no seu bordel.
- É uma boa ideia...
Prendi a respiração.
- Então, pode selecionar, o bordel é seu...LEVANTAR TODAS!
Fizemos isso.
Ele selecionou, e ao olhar para os lados, percebi que eu e Amanda havíamos ficado de fora.Rezei para que fosse sonho.
- E elas duas? - Perguntou um dos de bastão.
- Ah, podem apagá-las!
- EIII! - Berrei por extinto.
Todos olharam para a minha cara.
- Bom... a gente poderia trabalhar na cozinha!
Pensaram durante uns minutos, e acabaram concordaram com a minha ideia. Os músculos da Amanda se relaxaram na mesma hora, e eu senti que nem tudo estava tão perdido assim.
Estava enganada, claro.
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Fomos dormir. Quando acordei, todas haviam sumido, menos Amanda. Corri para fora, sem nenhum vigia, e um ônibus estava saindo.Bárbara, com a mão na janela, acompanhou minhas lágrimas até nos perdemos de vista. Vacilante, fui para a cozinha com Amanda. Lá, encontrei meu amigo, o Lucas. Pelas noites, saia e ia para a casa de Bárbara, onde consolava sua mãe e pesquisava seu paradeiro. Depois de semanas de trabalho, encontrei o endereço do bordel.
Nem pensei duas vezes.
Juntei minhas coisas - que se resumia a uma roupa - e peguei estrada com Amanda. Entramos lá de cabeça baixa e nos dirigimos ao respectivo quarto de Bárbara.
Acabada, machucada e vandalizada, ela nos recebeu com a mesma expressão que se despediu. Até hoje não entendi por que, mas sei que ela ficou feliz por ter se jogado nos nossos braços e chorado horrores.
Voltamos para a casa.
Acordei com o despertador e bati a cabeça na madeira da cama. Tudo bem, o que seria da vida sem a paciência?



Baseado em fatos reais.

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