Jogos virtuais
(Bárbara Suzart)
Beatriz tinha os cabelos vermelhos como uma flor de hibisco e olhos verdes como a mata. Sempre divertia seus amigos com suas piadas, e ao mesmo tempo irritava-os com suas brincadeiras. Ela acabara de terminar o namoro com um menino, ao saber que o mesmo a traiu e foi para Portugal com os pais.
Três meses se passaram depois do ocorrido. Ela estava lendo no horário vago, quando chegou Fábio, seu amigo, e disse:
- Beatriz, que tal instalar o Ragnarok no seu computador? Tá todo mundo jogando! Todo mundo digo, nossos amigos... Você completaria o time e...
- Desculpe, tenho coisa melhor para fazer do que ficar perdendo minha tarde com esses jogos bestas.
- Não é jogo besta!
Ela, com ar irônico, disse:
- Não, imagina... Prefiro ler.
- É por isso que tira tanta nota boa, fica estudando a tarde toda. Nossa, como você é estudiosa. - ele sorriu.
- Não precisa estudar a tarde toda para tirar boas notas.
- Voltando ao assunto... Seria bom você jogar.
Ela continuou a ler, ignorando-o. O tempo passou e ela percebeu que ninguém falava mais nada, a não ser jogos, jogos e mais jogos. Foi aí que ela mudou de ideia. Ligou para Fábio e pediu ajuda para instalar.
- Sabia que iria mudar de ideia mais cedo ou mais tarde! - disse Fábio, animado - O que quer ser? Espadachina? Arqueira? Maga? Noviça? Gatuna? Outra classe?
- Qualquer uma serve. Pode ser arqueira.
Sua personagem era linda. Embora ainda fraca, tinha os cabelos longos, ondulados, loiros da cor do sol. Sua roupa era de novata("noob" na língua virtual), mas era bonita, e usava um simples arco.
Três semanas se passaram. Ela já estava no nível 23. O que parecia impressionante, ela não fazia outra coisa, além de ir a escola de manhã, e jogar de tarde. Enquanto jogava numa missão, Ângela, sua melhor amiga, ligou:
- Beatriz! Você viu como suas notas abaixaram?! Você não sai desse computador! Ragnarok é legal, mas agora você está exagerando!
- Ângela, estou no meio de uma missão, estou na Caverna de Payon. Estou muito concentrada aqui, me ligue mais tarde...
- Você está recusando sair com os amigos. Você acha o jogo mais importante que SEUS AMIGOS?! Sem contar que você arranjou vários amigos nesse jogo!
- Não venha com drama. Ai! Quase morri aqui! O chefão é difícil!
- Beatriz, acorda! Você já tem 15 anos! Não é idade para ficar o dia todo jogando!
- Você também tem essa mesma idade e joga!
- Jogo sim, mas não jogo todo dia. E quando eu jogo, não fico o dia todo, diferente de você!
- Olha, a gente conversa depois sobre isso... Relaxe, espero não me afastar de vocês...
- Você já está se afastando...
- Pronto! Matei o chefão!
Ângela desligou o telefone, sem se despedir da amiga. Beatriz pensou em ligar para ela, mas desistiu e continuou a jogar. Enquanto procurava um lugar difícil para ir, um garoto se aproximou. Ele tinha os cabelos negros e curtos. Usava uma roupa bem bonita, que aparentava ser de um nível mais avançado. Usava uma espada. Na certa, Beatriz se deu conta que ele era um Espadachim.
- Oi. Tudo bem? - ele iniciou a conversa.
Ela não tinha muito o que falar, mas decidiu retribuir.
- Oi. Tudo sim, e com você?
- Tô bem, também. Eu sou nível 61. Posso te ajudar a chegar a esse nível ou até ir mais adiante. Quer ajuda?
- Sim. Quero sim! Qual o seu nome?
- Eu sou o Gustavo, e você?
- Eu sou a Beatriz. Tem quantos anos?
- Eu tenho 16, e você?
- Eu tenho 15...
- Tudo bem, Raio de Sol...
- Raio de Sol?
- Sim, ao olhar os seus cabelos, só me lembrei do sol, a cor é igual!
Ela se mostrou sem graça ao ouvir - ou melhor, ler - isso. O tempo passou e ela se afastou completamente dos amigos reais e só conversava com os virtuais, principalmente o Gustavo. Não demorou muito tempo para ela se apaixonar por ele.
Um dia, Gustavo e Beatriz conversavam no jogo. Até que Gustavo perguntou:
- Você mora aonde?
Ela achou estranho, mas achou melhor não comentar.
- Em Campinas, e você?
- Coincidência! Eu também!
- Sério? Que bom!
- Aham, que tal marcarmos um encontro?
Gustavo a deixou em profundo silêncio. Mas ela não podia fazer nada, aceitou o convite, já que estava apaixonada. Disse suas características físicas e como estaria vestida.
X
Foi num sábado, às 20:00, que tudo aconteceu. Lá estava ela, na praça em que marcaram o encontro, esperando o amado, com uma calça jeans, sandália com salto alto, uma blusa preta e branca, cabelos soltos. Ficou uns 20 minutos em pé, já cansada. Decidiu se sentar no banco ao lado, onde estava um rapaz, que aparentava ter uns 25 anos.
Passou 10 minutos. Não demorou muito tempo para Beatriz perceber que o rapaz ao lado a olhava discretamente, observando todos os traços dela. Ela se sentiu incomodada por estar lá, já estava tremendo. Foi aí que decidiu se levantar e andar pela praça.
Ele fez o mesmo. Começou a seguí-la. Cada passo que ela dava era mais rápido, até que se deu conta que estava correndo. Parou quando sentiu seu braço ser puxado. Não teve coragem se virar para trás.
O homem tapou a boca de Beatriz, para não gritar. Segurou os braços dela com a maior força, deixando-os roxos. A praça estava deserta, para sorte dele. Aproveitou e a levou para um lugar mais deserto ainda: um teatro abandonado.
Chegando lá, o rapaz a levou no ex-camarim, pegou uma corda que havia lá e amarrou-a. Ela estava tão fraca e assustada que não conseguia se mover. Chorava muito. As mãos do homem apertavam fortemente os braços dela.
- O que quer de mim, afinal?! - gritou ela, soluçando.
- Não é muita coisa, Raio de Sol...
Ela travou. Estava chorando tanto que não conseguia raciocinar e tentar lembrar de onde veio esse apelido. Ficou em silêncio durante 40 segundos, até que se deu conta de quem imaginava.
Exatamente.
- G-Gustavo...? - gaguejou, surpresa.
- Pra falar a verdade, esse não é o meu nome.
- O QUÊ?! COMO OUSA MENTIR PRA MIM?!
- PSIU! Não grite!
Sem pensar duas vezes, ela gritou o mais alto que pôde. Ele não foi burro de ficar parado e esperar que pessoas ouçam o grito escandaloso dela e fossem salvá-la, entregando-lhe à polícia. Pegou um revólver que estava guardado em seu bolso e a matou com dois tiros no seu peito esquerdo.
Era a primeira vez que Beatriz perdera o jogo. Dessa vez, definitivo.
Beatriz tinha os cabelos vermelhos como uma flor de hibisco e olhos verdes como a mata. Sempre divertia seus amigos com suas piadas, e ao mesmo tempo irritava-os com suas brincadeiras. Ela acabara de terminar o namoro com um menino, ao saber que o mesmo a traiu e foi para Portugal com os pais.
Três meses se passaram depois do ocorrido. Ela estava lendo no horário vago, quando chegou Fábio, seu amigo, e disse:
- Beatriz, que tal instalar o Ragnarok no seu computador? Tá todo mundo jogando! Todo mundo digo, nossos amigos... Você completaria o time e...
- Desculpe, tenho coisa melhor para fazer do que ficar perdendo minha tarde com esses jogos bestas.
- Não é jogo besta!
Ela, com ar irônico, disse:
- Não, imagina... Prefiro ler.
- É por isso que tira tanta nota boa, fica estudando a tarde toda. Nossa, como você é estudiosa. - ele sorriu.
- Não precisa estudar a tarde toda para tirar boas notas.
- Voltando ao assunto... Seria bom você jogar.
Ela continuou a ler, ignorando-o. O tempo passou e ela percebeu que ninguém falava mais nada, a não ser jogos, jogos e mais jogos. Foi aí que ela mudou de ideia. Ligou para Fábio e pediu ajuda para instalar.
- Sabia que iria mudar de ideia mais cedo ou mais tarde! - disse Fábio, animado - O que quer ser? Espadachina? Arqueira? Maga? Noviça? Gatuna? Outra classe?
- Qualquer uma serve. Pode ser arqueira.
Sua personagem era linda. Embora ainda fraca, tinha os cabelos longos, ondulados, loiros da cor do sol. Sua roupa era de novata("noob" na língua virtual), mas era bonita, e usava um simples arco.
Três semanas se passaram. Ela já estava no nível 23. O que parecia impressionante, ela não fazia outra coisa, além de ir a escola de manhã, e jogar de tarde. Enquanto jogava numa missão, Ângela, sua melhor amiga, ligou:
- Beatriz! Você viu como suas notas abaixaram?! Você não sai desse computador! Ragnarok é legal, mas agora você está exagerando!
- Ângela, estou no meio de uma missão, estou na Caverna de Payon. Estou muito concentrada aqui, me ligue mais tarde...
- Você está recusando sair com os amigos. Você acha o jogo mais importante que SEUS AMIGOS?! Sem contar que você arranjou vários amigos nesse jogo!
- Não venha com drama. Ai! Quase morri aqui! O chefão é difícil!
- Beatriz, acorda! Você já tem 15 anos! Não é idade para ficar o dia todo jogando!
- Você também tem essa mesma idade e joga!
- Jogo sim, mas não jogo todo dia. E quando eu jogo, não fico o dia todo, diferente de você!
- Olha, a gente conversa depois sobre isso... Relaxe, espero não me afastar de vocês...
- Você já está se afastando...
- Pronto! Matei o chefão!
Ângela desligou o telefone, sem se despedir da amiga. Beatriz pensou em ligar para ela, mas desistiu e continuou a jogar. Enquanto procurava um lugar difícil para ir, um garoto se aproximou. Ele tinha os cabelos negros e curtos. Usava uma roupa bem bonita, que aparentava ser de um nível mais avançado. Usava uma espada. Na certa, Beatriz se deu conta que ele era um Espadachim.
- Oi. Tudo bem? - ele iniciou a conversa.
Ela não tinha muito o que falar, mas decidiu retribuir.
- Oi. Tudo sim, e com você?
- Tô bem, também. Eu sou nível 61. Posso te ajudar a chegar a esse nível ou até ir mais adiante. Quer ajuda?
- Sim. Quero sim! Qual o seu nome?
- Eu sou o Gustavo, e você?
- Eu sou a Beatriz. Tem quantos anos?
- Eu tenho 16, e você?
- Eu tenho 15...
- Tudo bem, Raio de Sol...
- Raio de Sol?
- Sim, ao olhar os seus cabelos, só me lembrei do sol, a cor é igual!
Ela se mostrou sem graça ao ouvir - ou melhor, ler - isso. O tempo passou e ela se afastou completamente dos amigos reais e só conversava com os virtuais, principalmente o Gustavo. Não demorou muito tempo para ela se apaixonar por ele.
Um dia, Gustavo e Beatriz conversavam no jogo. Até que Gustavo perguntou:
- Você mora aonde?
Ela achou estranho, mas achou melhor não comentar.
- Em Campinas, e você?
- Coincidência! Eu também!
- Sério? Que bom!
- Aham, que tal marcarmos um encontro?
Gustavo a deixou em profundo silêncio. Mas ela não podia fazer nada, aceitou o convite, já que estava apaixonada. Disse suas características físicas e como estaria vestida.
X
Foi num sábado, às 20:00, que tudo aconteceu. Lá estava ela, na praça em que marcaram o encontro, esperando o amado, com uma calça jeans, sandália com salto alto, uma blusa preta e branca, cabelos soltos. Ficou uns 20 minutos em pé, já cansada. Decidiu se sentar no banco ao lado, onde estava um rapaz, que aparentava ter uns 25 anos.
Passou 10 minutos. Não demorou muito tempo para Beatriz perceber que o rapaz ao lado a olhava discretamente, observando todos os traços dela. Ela se sentiu incomodada por estar lá, já estava tremendo. Foi aí que decidiu se levantar e andar pela praça.
Ele fez o mesmo. Começou a seguí-la. Cada passo que ela dava era mais rápido, até que se deu conta que estava correndo. Parou quando sentiu seu braço ser puxado. Não teve coragem se virar para trás.
O homem tapou a boca de Beatriz, para não gritar. Segurou os braços dela com a maior força, deixando-os roxos. A praça estava deserta, para sorte dele. Aproveitou e a levou para um lugar mais deserto ainda: um teatro abandonado.
Chegando lá, o rapaz a levou no ex-camarim, pegou uma corda que havia lá e amarrou-a. Ela estava tão fraca e assustada que não conseguia se mover. Chorava muito. As mãos do homem apertavam fortemente os braços dela.
- O que quer de mim, afinal?! - gritou ela, soluçando.
- Não é muita coisa, Raio de Sol...
Ela travou. Estava chorando tanto que não conseguia raciocinar e tentar lembrar de onde veio esse apelido. Ficou em silêncio durante 40 segundos, até que se deu conta de quem imaginava.
Exatamente.
- G-Gustavo...? - gaguejou, surpresa.
- Pra falar a verdade, esse não é o meu nome.
- O QUÊ?! COMO OUSA MENTIR PRA MIM?!
- PSIU! Não grite!
Sem pensar duas vezes, ela gritou o mais alto que pôde. Ele não foi burro de ficar parado e esperar que pessoas ouçam o grito escandaloso dela e fossem salvá-la, entregando-lhe à polícia. Pegou um revólver que estava guardado em seu bolso e a matou com dois tiros no seu peito esquerdo.
Era a primeira vez que Beatriz perdera o jogo. Dessa vez, definitivo.
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