Morro de São Paulo

(Laís Moura e Bárbara Suzart)

Estávamos indo em direção ao Morro de São Paulo - excursão do colégio. O hotel ficava literalmente na praia, era só você sair do quarto que pisava na areia.
Pois bem. Deixei minhas malas no quarto e fui dar uma voltinha na praia. É aí que a história começa.
Andei cerca de 2 km quando encontrei uma lancha. Olhei em volta e não tinha ninguém, e a lancha estava caindo aos pedaços. Resolvi entrar.
Mexi tanto na lancha que ela fez um barulho estranho, e só depois de uns 2 minutos eu saquei que era o motor ligando.
Entrei em pânico. Olhei em volta: ÁGUA.
Comecei a apertar um monte de botão, e virar o volante - é assim que se chama? - para retornar à praia. A questão é que não virei o suficiente e acabei ficando umas duas horas em direção a uma ilha - que eu achava que era o Morro de São Paulo. Quando eu percebi que estava estranho demais, me dei conta de que já era tarde: a lancha encostara na areia.
Parado eu não ia ficar,certo? Resolvi então explorar a ilha propriamente dita. Tinha algumas casinhas de pau-a-pique, e quanto mais eu entrava na mata, mais fechada ela ficava.
Para meu alívio, escutei umas vozes. Resolvi segui-las, apesar de estar sozinho. Ao me aproximar mais, ouvi gritos animados, depois músicas, depois risadas. Ao finalmente encontrar os donos das vozes, quase vomitei.
Eram canibais.
Havia membros humanos espalhados por toda a parte. Uma grande fogueira se estendia no centro deles, e eles conversavam como se estivessem comendo um peixinho frito na praia - comer peixe já é um horror, pelo fato de ele ter o mesmo direito a vida que você, imagina gente? - como se nada tivesse acontecido. Pensei que canibais fossem coisa do século passado.
Estavam fazendo uns rituais malucos e falavam em uma língua desconhecida - pelo menos por mim. Fui me afastar um pouco e acabei pisando numa folha seca - não fez quase barulho nenhum - quando uma das garotas que conversavam me olhou. Me joguei no chão instantaneamente.
Sinceramente, não sei como consegui ficar tanto tempo sem respirar. Só ao ficar estendido no chão é que eu reparei que já estava quase de noite, e que eu estava duplamente lenhado.
Depois que as vozes voltaram ao normal, comecei a subir devargazinho quando alguém me puxou novamente para o chão: era a garota.
- PELO AMOR DE DEUS, NÃO ME MATE!
- Cala a boca, seu imbecil, você já fez estrago suficiente por hoje. Me siga.
Ela rastejou com facilidade , sem fazer o menor ruído. Não precisa nem comentar como eu fui: quebrei pelo menos umas 10 folhas secas. Ela xingava a cada 10 segundos, e ria ao mesmo tempo.
Vai entender esse povo.
Devo ter me arrastado durante uns 5 minutos, até que podemos ir agachados, depois a pé, depois correndo. Para quê ir tão longe mesmo? eles nem sequer vieram atrás da gente.
- Eles podem nos escutar a quilômetros de distância - disse ela,como se lesse pensamentos.
- Aqui já tá bom... - implorei, ofegante.
- Você quer morrer? - disse ela, afastando o cabelo castanho do rosto.
- Não agora, não aqui.
- ENTÃO ME OBEDEÇA!
- você fala português? Onde aprendeu?
- Você pode ficar calado durante 5 MINUTOS?
Andamos mais um tanto até chegarmos a praia, onde a lancha estava.
- Se você quer viver, me responda: O que veio fazer aqui?
- Me perdi.
Seus olhos verdes me encararam durante uns 5 minutos. Ela era linda.
- Seu nome?
- Luiz, e o seu?
- Eu que faço as perguntas aqui.
Estanquei com sua audácia, mas aquela acabou sorrindo e respondeu:
- Tayná.
- Ah, existe um filme com seu nome.
- Filme?
- Filme é uma combinação de imag...
- Eu sei o que é um filme.
- Aqui tem TV?
- Não. Você mora aonde?
- Salvador.
- Saudades de lá.
- Já foi lá?
- Já morei lá.
- Sério? E o que faz aqui, com esse tipo de...
Desisti de terminar a frase. Ela entendeu, dizendo:
- Meus pais me abandonaram aqui quando eu tinha 11 anos.
Me sobressaltei, mas não fiz mais perguntas. A lua minguante brilhava lá no céu.
- Meus pais não me aceitavam, por quê eu quando tinha 4 anos só gostava de andar com os meninos e queria que me chamassem de Fábio.
Me assustei, mas continuei olhando para o chão.
- É isso mesmo. Sou transexual.
-...
- Aí eu tinha meus 11 anos quando eles me deixaram aqui.
Ela/ele estancou do nada.
- Entre na lancha. - ordenou.
Obedeci.
Ela/ ele subiu na lancha correndo e dirigiu. quando olhei para trás, vi os canibais atirando flechas, e ele/ela fazia um zigue-zague com a lancha. Era bem hábil.
- O que vai acontecer com você? - perguntei.
- Relaxa. Eu sobrevivo.
Acordei de um sobressalto: estava no ônibus. Mas não era possível, foi tão real...
Desci apressado e vi a lancha cerca de 10 metros de distância. Seus cabelos castanhos se agitavam ao vento, e a lua minguante brilhava lá no céu.

Comentários

Postagens mais visitadas