Anorexia
(Laís Moura e Bárbara Suzart)
Fazia tempo que eu não recebia um caso de anorexia. Ano retrasado, eu tratei de 7, só em três meses, mas nunca mais tive um cliente com distúrbio alimentar. Não até o dia 3 de março.
Me aparece uma garota que beirava seus 17 anos, junto com a mãe.
- Ai, doutora, eu não sei mais o que fazer... - disse a mãe, suspirando - Ela tá tão...tão...
- Horrível. - respondeu a filha.
- Senhora, você se importaria se eu falasse com sua filha a sós?
A garota sorriu, e a mãe, se encolheu.
- Certo... - E foi embora, não sem antes lançar um olhar assustado.
Ela entrou na minha sala devagar, mostrando uma expressão facial de insegurança e medo, mas, ao mesmo tempo, aparentava estar tranquila por pelo menos ter alguém para ajudá-la.
- Então - disse - Por quê você está aqui?
- Foi minha mãe que me botou aqui, ela disse que eu estou obesa...
- Hmmm... E o que você acha disso?
-...
-...?
- Bom, doutora, acho que provavelmente eu vá continuar aqui, portanto, vamos conversar sobre um assunto de cada vez.
- Como queira.
- Me diga, doutora, você que já deve ter cuidado de tantos clientes com distúrbios alimentares, certo?
- Certo.
- Geralmente eles ficam doentes por conta da mídia, etc... E quando é por influência dos próprios pais? O que acontece?
- Então, você deixa claro que é culpa de seus pais sua anorexia.
- O motivo principal é esse, com certeza.
- Então eles te proíbem de comer?
- Você é muito rude.
- Sabe, Fernanda, você tem que pensar naquilo que te faz bem.
- Você é ridícula.
É, eu sou rude, ridícula... Mas bem,era só uma adolescente descontrolada.
- Há quanto tempo você está doente?
- Eu não estou doente.
- Pois bem. Há quanto tempo você começou a parar de comer?
- Dez dias.
- E qual é a causa disso?
- Mas eu já não te disse?
- Você não deixou isso claro.
- Você também não.
- Eu também não o quê?
- 18.
- 18 o quê?
- 18 anos.
Era doida. Simplesmente maluca.
Deixei o silêncio prevalecer.
- Eu presencio sempre minha mãe falando mal das pessoas acima do peso. Inclusive das minhas amigas. Ela me chamou de baleia e me compara a minha prima, Naama, que também está acima do peso: "Você quer ficar igual a ela?". Mas, se ela quer me assustar, só causa o contrário: Ela é uma das primas que eu mais gosto.
- Me fale sobre ela.
- Uma coisa de cada vez, doutora.
Assenti com a cabeça.
- Fui motivo de piada dentre a minha família, que só me amou de verdade quando emagreci - época que eu era uma pirralha e aceitava os desaforos de minha mãe, fora pelo fato de que eu não estava menstruada. Mas engordei tudo de novo quando essa me veio.
- E o que aconteceu depois?
- Que depois, doutora? Só existe uma coisa: o presente. E, respondendo sua pergunta, continuo invisível.
- Mas você não está bem com você mesma?
- O que você acha?
- Você deu a entender que sim.
- Ótimo, entendeu certo.
- Bem... Você poderia marcar uma reunião com sua família, dizendo que ninguém deveria te desrespeitar pelo fato de você ser gorda, sendo que você não é. Diga isso, principalmente, para sua mãe. Você não é nada feia e deve valorizar você mesma e se aceitar como é.
Quando eu terminei de falar, a mãe dela entrou:
- Precisamos ir agora, Fernanda.
Ela se levantou, agradecida e, quando estava saindo da minha sala, se virou e disse, tanto para mim, quanto para a mãe:
- Um dia, todos irão ver quem eu realmente sou.
E saiu, com um olhar vazio.
Ela nunca mais apareceu lá na clínica.
Fazia tempo que eu não recebia um caso de anorexia. Ano retrasado, eu tratei de 7, só em três meses, mas nunca mais tive um cliente com distúrbio alimentar. Não até o dia 3 de março.
Me aparece uma garota que beirava seus 17 anos, junto com a mãe.
- Ai, doutora, eu não sei mais o que fazer... - disse a mãe, suspirando - Ela tá tão...tão...
- Horrível. - respondeu a filha.
- Senhora, você se importaria se eu falasse com sua filha a sós?
A garota sorriu, e a mãe, se encolheu.
- Certo... - E foi embora, não sem antes lançar um olhar assustado.
Ela entrou na minha sala devagar, mostrando uma expressão facial de insegurança e medo, mas, ao mesmo tempo, aparentava estar tranquila por pelo menos ter alguém para ajudá-la.
- Então - disse - Por quê você está aqui?
- Foi minha mãe que me botou aqui, ela disse que eu estou obesa...
- Hmmm... E o que você acha disso?
-...
-...?
- Bom, doutora, acho que provavelmente eu vá continuar aqui, portanto, vamos conversar sobre um assunto de cada vez.
- Como queira.
- Me diga, doutora, você que já deve ter cuidado de tantos clientes com distúrbios alimentares, certo?
- Certo.
- Geralmente eles ficam doentes por conta da mídia, etc... E quando é por influência dos próprios pais? O que acontece?
- Então, você deixa claro que é culpa de seus pais sua anorexia.
- O motivo principal é esse, com certeza.
- Então eles te proíbem de comer?
- Você é muito rude.
- Sabe, Fernanda, você tem que pensar naquilo que te faz bem.
- Você é ridícula.
É, eu sou rude, ridícula... Mas bem,era só uma adolescente descontrolada.
- Há quanto tempo você está doente?
- Eu não estou doente.
- Pois bem. Há quanto tempo você começou a parar de comer?
- Dez dias.
- E qual é a causa disso?
- Mas eu já não te disse?
- Você não deixou isso claro.
- Você também não.
- Eu também não o quê?
- 18.
- 18 o quê?
- 18 anos.
Era doida. Simplesmente maluca.
Deixei o silêncio prevalecer.
- Eu presencio sempre minha mãe falando mal das pessoas acima do peso. Inclusive das minhas amigas. Ela me chamou de baleia e me compara a minha prima, Naama, que também está acima do peso: "Você quer ficar igual a ela?". Mas, se ela quer me assustar, só causa o contrário: Ela é uma das primas que eu mais gosto.
- Me fale sobre ela.
- Uma coisa de cada vez, doutora.
Assenti com a cabeça.
- Fui motivo de piada dentre a minha família, que só me amou de verdade quando emagreci - época que eu era uma pirralha e aceitava os desaforos de minha mãe, fora pelo fato de que eu não estava menstruada. Mas engordei tudo de novo quando essa me veio.
- E o que aconteceu depois?
- Que depois, doutora? Só existe uma coisa: o presente. E, respondendo sua pergunta, continuo invisível.
- Mas você não está bem com você mesma?
- O que você acha?
- Você deu a entender que sim.
- Ótimo, entendeu certo.
- Bem... Você poderia marcar uma reunião com sua família, dizendo que ninguém deveria te desrespeitar pelo fato de você ser gorda, sendo que você não é. Diga isso, principalmente, para sua mãe. Você não é nada feia e deve valorizar você mesma e se aceitar como é.
Quando eu terminei de falar, a mãe dela entrou:
- Precisamos ir agora, Fernanda.
Ela se levantou, agradecida e, quando estava saindo da minha sala, se virou e disse, tanto para mim, quanto para a mãe:
- Um dia, todos irão ver quem eu realmente sou.
E saiu, com um olhar vazio.
Ela nunca mais apareceu lá na clínica.
Comentários