Reflexões de uma tarde morna

(Laís Moura)

          Por consequência do feriado que o país abraça estou passando os dias no meu quarto, o que me deu a oportunidade de narrar o que se sucede:
         A casa do vizinho, que não se encontra mais que dois metros afastada da minha, tem uma falha entre o topo da casa e o telhado, que virou habitação de pombos. Estes, atarefados em viver vida de pombos, entram e saem do telhado ora para buscarem alimento ora para descansar. Acontece que, de frente da janela do meu quarto existe a janela do quarto da casa vizinha, que em seu topo abriga um mini telhado de provável proteção solar (cujo fica a alguns centímetros da falha que abriga os pombos). Até aí acontece apenas uma descrição inútil para você, leitor, já que de pombos e meu vizinho você provavelmente não se interessa.
         Semana passada, entretanto, me vi pega de surpresa, o que geralmente acontece quando você mergulha em um cotidiano que não o seu. No topo do mini telhado da janela havia dois pombos, um todo branquinho e outro cinza com manchas pretas, brancas e verdes, o que me parecia conversando entre si.
          - Está para chover, senhorita. Já tomastes café? - Imagino o pombo cinza a perguntar.
          - Já. Agradeço a preocupação, e a mesma pergunta faço ao senhor.
          - Pois bem, não ainda. Mas não se preocupe: o jantar ontem a noite foi farto.
          - Oh, sim. Acabo de notar que você me parece realmente muito bem. A cor de suas penas combina com a cor do céu desta manhã, o que faz com que o senhor pareça muito mais galante que o normal.
           Já estava indo embora em meus pensamentos quando de súbito eles se aproximaram e seguraram o bico um do outro, como um beijo. "Estão se preparando para acasalar", penso, e minha suposição se mostrou verdadeira: logo o pombo branco se agachou e o cinza subiu em cima, agitando as asas como se fosse preparar o vôo, e depois de alguns segundos se afastou para ajeitar as penas. O processo se repetiu, até aonde contei, três vezes. Logo caiu a chuva, eles se esbaldaram felizes com o banho, pena para cá, pena para lá, e logo em seguida entraram no abrigo.
           Terminado este dia e começado o outro, acordo com barulho de pombo. Olho a janela e lá estão os dois, conversando entre si. Assim se sucedeu aquele dia, o seguinte, e o seguinte do seguinte. Cheguei a conclusão de que eram namorados. "Existe fidelidade no reino animal, além de mãe e filhos?", pensei. "Curioso."
            Hoje não foi diferente: os dois se encontravam para tagarelar. O macho mais ainda que a fêmea. Entretanto, para surpresa de nós três apareceu um outro pombo branco com a cauda manchada de preto, que foi tentar conquistar a pomba branca. O pombo cinza, indignado com a aparente aceitação de sua parceira, levantou vôo para bem longe. A pomba branca, ressentida com sua própria atitude, se afastou do outro que causou a discórdia e perturbou a paz do casal. O pombo de cauda preta insistiu, chegou perto, puxou assunto, nada. A mulher já estava ferida, e sofria por ter sido aparentemente abandonada pelo seu namorado.
           "Fidelidade também existe no reino animal, então," Conclui. "Todos os sentimentos bons existem no reino animal antes mesmo de eu pensar em nascer, e cá estava eu jurando que a nossa inteligência era a responsável pela criação e manutenção de laços. De feito humano, percebo, apenas a destruição. Se existe a inteligência, ela é um pombo."
         

Comentários

Postagens mais visitadas