Choque

(Laís Moura)

Sei que você não vai acreditar em mim. Na verdade, eu daria tudo para ser tão cega que nem você, por que até hoje isso me assombra.
Tinha 24 anos na época, e estava recém casada com Mariano, de 48. Éramos felizes (não tinha dado nem tempo ainda para vir os espinhos) e ele saiu de manhã cedo, como de praxe, para ir trabalhar. Nada diferente, se não fosse a chuva incessável que começou às 3 horas da manhã. Nunca fui à favor ao trabalho dele (era bombeiro) mas me acostumei com a ideia depois de 7 meses de namoro.
 Eram 7 horas da manhã quando me ligaram.
 - Alô?
 - Cláudia?
 - Sim?
 - Lamento muito ter que lhe dar essa informação.
 E o resto eu já sabia.
 Mariano havia morrido.

Me enfornei dentro de cada, remoendo lembranças, olhando fotografias. Não lembrava mais qual era a data, se era dia ou noite, mas a terceira conta de luz sem ser paga me fez levantar e cumprir minhas obrigações.
Enquanto dirigia, sorri ao lembrar do jeito que seus olhos azuis brilhavam de ódio enquanto falava o quanto ruim era ser filho único. Lembrei do dia em que nossa rua ficou alagada e ele me pegou no colo para não molhar meus pés. Eu era tão jovem, início de namoro, tinha 17 anos.
Agora, era tudo tão vazio, tão real, como se eu tivesse despertado de um sonho longo.
Chegando lá com as contas na mão, surpresa.
- Já foram pagas, senhora. - Informaram-me - Inclusive um homem pagou faz pouquíssimo tempo.
- Mas as contas estão aqui, bem aqui! E eu moro sozinha!
- Mas senhora, está aqui registrado! Foi um rapaz forte, alto, aparentava uns 45 anos, olhos claros...
Gelei.
- Senhora? Se sente bem?
 - Impossível... - Gaguejei.
- Pode ver aqui, nos registros. - Disse, me mostrando - Foi até há uns 5 minutos mais ou menos.
Tropecei, com os joelhos entorpecidos de choque. Reergui-me e joguei as contas no lixo, passando a mão pela minha nuca arrepiada.