Bruna

(Laís Moura)

Ela era extramamente alta para uma garota de 11 anos. Na época, eu tinha 16. Seu cabelo batia nos ombros e era encaracolado. Ela tinha um olho verde, outro castanho; Sabia que ela era diferente só em olhar nos olhos dela.
O que todo mundo achava, descobri mais tarde.
Nossos pais conversavam alegremente, enquanto ficávamos em silêncio. Não era um silêncio incomôdo, mas um silêncio pacífico. Bom, apesar de anos depois, eu não sei explicar direito. Ela olhava o teto da sala como se tivesse algo extremamente inóspito.Inusitado.
- Ei, - Começou a falar - Diga algo de interessante que aconteceu com você.
- E se eu não tiver algo de interessante?
- Todos tem algo de interessante. Todos. - Enfatizou.
- Torci/Quebrei a mesma mão 10 vezes em um ano.
Ela deu um sorriso torto.
Foi assim que nos conhecemos. Nos víamos todos os finais de semana, e sentávamos na varanda da minha casa vendo nossos pais conversarem. Ela muitas vezes fechava os olhos quando em ouvia, isso eu nunca entendi muito bem. Também nunca perguntei, porque tem certas coisas boas que perdem a graça quando se sabe o significado.
Quando eu ficava irritado ela tocava piano para mim, e quando era o contrario eu tocava violão. Nós sempre terminávamos a semana felizes.Nunca brigamos durante 4 anos, mas a situação mudou quando conheci uma garota.
Ela era negra e seu sorriso era enorme, falava muito mas também sabia a hora de ouvir. Após 3 semanas de conversa, pedi ela em namoro. Ela aceitou.
Bruna e minha nova namorada, Jacélia, ficaram bem amigas. Mas eu percebi que algo estava errado, quando Bruna veio para minha casa no final de semana (como de costume) e sentou ao meu lado, em silêncio.
Depois de tantos anos, aquele foi o primeiro silêncio incômodo.
- Você primeiro. - Disse, com um sorriso torto.
- Você não me ligou nenhuma vez em três semanas.
Ela tava dizendo a verdade, como sempre.
- E nos dois últimos finais de semana você não estava aqui.
- Bom, no primeiro eu tava viajando, e no segundo eu passei o final de semana na casa da Jacélia. Você sabe disso. Não tive tempo.
- O que disse?
- Não tive como ligar para você pelas noites.
Outro costume nosso, ligar um pro outro antes de dormir desejando boa noite. Era bem maluco, mas era o que fazíamos.
- Bruna , há quanto tempo você não dorme? Seus olhos estão fundos.
- Não sei nem por que você pergunta.
A verdade é que ela se sentia protegida quando estava comigo, e os finais de semana eram suficientes para ela se sentir protegida a semana inteira. Ela sabia que eu sabia disso.
Os anos se passaram, e paramos de nos ligar durante a semana.Me casei com a jacélia, e os encontros durante a semana foram quase escassos.
Depois de quase dois meses sem nos vermos e falarmos, ela apareceu lá em casa, mas para passar a noite com o meu filho, Pedro, pois eu e a Jacélia íamos sair.
- Eu não estarei a sua disposição para sempre. - Disse ela, ao passar por mim.
Depois de 10 meses sem vê-la, fui visitá-la.
- O que está fazendo aqui?
- O que houve, você está tão...triste!
- Entre e eu te contarei.
Sentei numa cadeira ao lado de sua cama. Ela, deitada na cama e olhando para o teto, disse:
- Eu conheci uma pessoa. Nos víamos com frequência, mas meus olhos coloridos perderam a graça e minhas músicas no piano já não surtiam efeito. A pessoa parou e me ligar, se casou, teve filhos. Mas eu sou o tipo de pessoa que não perde os costumes: Eu ia todo o final de semana sentar na varanda, observar meus pais e os pais dessa pessoa conversarem. Numa dessas vezes, fui assaltada e apanhei durante uns 30 minutos. Fui para o hospital a tempo de recompor o sangue, e lá estavam alguns amigos da escola, meus pais e os pais da pessoa. Onde a pessoa estava? Passando o dia assistindo TV com a família.
- Para com isso, Bruna.
- Não, não precisa chorar. Você foi orgulhoso esse tempo todo, não precisa se humilhar depois de tanto tempo.
- Você também não.
Ela sabia que eu sabia disso.

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